quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

EMILIA PÉREZ, UMA FANTÁSTICA OBRA CINEMATOGRÁFICA, OU UM GRANDE FIASCO DISCRIMINATÓRIO E DEPRECIATIVO?

O filme musical Emília Pérez, ópera dividida em quatro atos, tem causado polêmica, principalmente, por ser uma obra europeia, em língua espanhola, dirigida por Jacques Audiard, cineasta francês, com atores em sua maioria americanos, latino-americanos e espanhóis. Das quatro atrizes, que protagonizam o longa, só Adriana Paz é mexicana. Além disso, o cenário foi reproduzido em estúdio nos arredores de Paris, com algumas externas noturnas, no México, onde se passa a história ficcional. O fato de um filme, contando uma história mexicana, mesmo que fictícia, representar a França nos festivais de cinema, pode parecer controverso, mas faz parte da decisão criativa do cineasta, que se inspirou no romance ficcional do francês Boris Razon de 2018, Écoute, que é ambientado no país da América do Norte. O cinema é arte, porém também indústria, que como qualquer outra, segue os ditames comerciais e mercadológicos. Um longa, para ter uma grande projeção, como teve Emília Pérez, não dependeu somente da sua competência artística, mas, também, do marketing e do investimento de campanha. Talvez o diretor não tenha se aprofundado tanto, para tratar de um tema sensível, como a transexualidade, a violência criminal e o desaparecimento massivo de pessoas, pois se trata de ficção e não fatos reais. Audiard foi, também, criticado por estereotipar as transsexuais e banalizar a violência no país, responsável por 30 mil assassinatos anuais e mais de 100 mil pessoas desaparecidas, em sua maioria vítimas do narcotráfico. Com tudo isso, não se pode dizer, com todas as letras, que seja um filme transfóbico, preconceituoso, tendencioso ou sensacionalista, como alguns pensadores, jornalistas e ativistas da comunidade LGBTQIA+ acreditam ser. Jacques Audiard é um dos maiores e mais respeitados cineastas do cinema francês. Ele tem em seu currículo grandes filmes, todos falam de temas pertinentes a sociedade, como desigualdade, misoginia e xenofobia, principalmente, as que envolvem imigrantes ilegais. É improvável que um artista da categoria de Audiard, conhecedor das desigualdades e da contundência com que elas assolam as minorias, tenha produzido uma película que desumaniza uma sociedade desfavorecida como a da população do México. Inclusive três de seus filmes: Ferrugem e Osso (2012), Dheepan: O Refúgio (2015) e Paris 13º Distrito tratam de assuntos de caráter social. Os dois primeiros, especificamente, são relacionados àqueles que migram de suas regiões de origem e encontram as dificuldades de imigrantes, em sua maioria ilegais. Já o terceiro é um filme com temática LGBTQIA+ (ou LGBTQIAPN+), para ser mais exato. A escolha do casting de Emília Borges, foi o maior alvo dos críticos, que alegam ser absurdo um filme que fala sobre o México (vale ressaltar, um Mexico ficcional), não ter como personagens principais, mexicanos, e sim americanos, latino-americanos e europeus. Comercialmente, provavelmente, ele tenha selecionado o elenco com base em seu apelo comercial. Zoe Saldaña é americana de ascendência porto-riquenha e dominicana, Selena Gomez também natural dos EUA é filha de pai mexicano e Adriana Paz é a única que nasceu no Mexico, mas iniciou sua carreira artística na Espanha. Já a atriz trans Karla Sofia Gascón é espanhola, mas a sua carreira despontou a partir de 2009 no México nas séries Corazón Salvage (2009) e El Señor de los Cielos (2013). Em 2013 fez sua estreia no cinema com o sucesso Los Nobles – Quando os Ricos Quebram a Cara. Das quatro atrizes, duas, Saldaña e Gomez, são estrelas de Hollywood. Sendo assim, a escolha do elenco seguiu, com finalidade comercial, em busca do reconhecimento internacional, principalmente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (Academy of Motion Picture Arts and Sciences). Enfim, a seleção do elenco dificilmente tenha seguido um padrão discriminatório e preconceituoso, e, sim, a experiência e a projeção comercial de cada atriz. “Selena e Zoé lhe dão uma dimensão comercial, não há como negar”, disse Audiard em Bogotá, quando questionado pela Agence France-Presse (AFP) em uma entrevista sobre os poucos mexicanos no elenco. Além disso, a escolha de Karla como protagonista foi elogiada pela crítica especializada. Fora a excelente atuação, levou-se em conta, o fato de ela ser uma mulher trans e não uma pessoa cisgênero sendo escalada para interpretar uma personagem trans. Quando isso acontece, há muitas críticas, como no fim do ano passado, na segunda temporada da série sul-coreana Round 6. Outro apelo, que pode parecer coerente, mas ao mesmo tempo descabido, é o fato de ser uma película que dá prerrogativas para transfobia. Tanto Karla, quanto Audiard, que recentemente vieram ao Brasil para promover o longa, já se pronunciaram dizendo que se trata de uma fábula ou opereta ficcional e que, portanto, não retrata realisticamente as condições sociais da nação mexicana. O que se vê e o que se ouve de jornalistas, de algumas organizações da comunidade LGBTQIA+, e, também, de incautos, principalmente, nas redes sociais, meio por onde viralizou as críticas, são análises sociológicas e antropológicas, que afirmam o caráter estereotipado da mulher trans, correlacionando-a ao submundo. A obra narra a história de uma narcotraficante que quer se redimir da vida de crimes, e, finalmente, fazer a cirurgia de redesignação sexual. Os críticos da obra interpretaram a transição da personagem, como mera tentativa de mudança de identidade, ou disfarce para escapar do passado de chefe do tráfico. Em defesa Audiard afirmou que sua protagonista sempre desejou ser mulher, mesmo, quando, era chefe do narcotráfico. Karla, quando leu o roteiro comentou das suas primeiras impressões sobre a narrativa, pedindo que o roteiro tivesse mais nuances ao representar a experiência trans. Hoje, ela é uma das maiores defensoras do filme. Segundo ela: “infelizmente, as redes sociais se tornaram, para muitos, um instrumento a serviço da escuridão, onde imperam os insultos, a violência, o ódio, a mentira e o assédio. Tem muito blogueiro que se acha especialista e muitos gatos que acham que sabem de cinema, quando o que sabem é arranhar. Então, o que posso dizer? Quem não gostar, que vá ver outra coisa no cinema. A maioria do público sai emocionadíssima em todos os países." As reprovações mais contundentes vieram da ativista Artemisa Belmonte: “O filme banaliza o problema dos desaparecidos no México”, lançando uma petição no site change.org, para se opor ao lançamento do filme (11.100 assinaturas desde 9 de janeiro), e do escritor Jorge Volpi no diário El País: “É um dos filmes mais grosseiros e enganosos do século XXI”, escreveu ele. Volpi também destacou o “terrível” sotaque de Selena Gómez, irritante para a fibra nacionalista dos mexicanos. A partir daí, disseminaram-se, equivocadamente, nas redes sociais um número descabido de ódio à produção e à atriz Karla Sofia Gascón. Em entrevista, ela pede ajuda a Fernanda Torres, que juntas concorrem ao Oscar de melhor atriz: “Fernanda, por favor, um abraço. Te amo muito. Me ajuda com essa galera." O pedido, realizado em entrevista ao G1, durante passagem pelo Brasil, para promover seu filme, é feito com o bom humor de uma artista que vive o melhor momento de sua carreira, apesar dos ataques. Fernanda Torres se pronunciou em defesa de Karla: “Nesse ano no Oscar, as escolhas que eles fizeram para atriz são tão especiais, cada uma a sua maneira, todo mundo merece. Todo mundo ganhou, não vamos tratar ninguém mal pelo amor de Deus. Eu sou para sempre grata à Sofia Gascón, ela está maravilhosa no Emilia Pérez. Demi Moore me mandou uma mensagem pessoal antes do Globo de Ouro, uma mulher de um carinho [...] Cinthya Erivo, meu Deus, aquela deusa, indicada pela segunda vez. Mikey Madison! Quem viu Anora aqui? Tem que ver, essa mulher está incrível! Então o que eu quero dizer é que todo mundo ali merece, e merece o carinho da gente, não vamos alimentar ódio. E quero dizer: Karla Sofía Gascón, te amo para sempre. Uma mulher generosa, talentosa, que merece da gente todo nosso carinho", disse a atriz. Assim como no filme, Karla tem uma família, sua esposa, Marisa, que conheceu aos 19 anos e a filha do casal, atualmente com 13 anos. Em maio de 2024, ela ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes por seu papel no filme. Ela foi a primeira mulher trans a ser reconhecida na história do festival, e dedicou o prêmio a todas as pessoas que passaram pela transição de gênero e que, como ela, "sofrem ódio todos os dias". O longa também foi vencedor do Globo de Ouro, desbancando o brasileiro Ainda Estou Aqui. Em contrapartida, Fernanda Torres levou o Globo de Ouro de melhor atriz. Apesar de todas as críticas negativas, alguns profissionais da classe saíram em defesa do longa, como o cineasta canadense Denis Villeneuve, diretor de Duna e Duna 2, e a atriz americana Meryl Streep, que é uma ativista dos direitos humanos. Eles elogiaram a originalidade e a coragem do filme. Guillermo del Toro, diretor mexicano ganhador de três Oscars, disse que o filme é lindo. Para ele, Jacques Audiard é um dos cineastas mais incríveis da atualidade. A trilha sonora, composta por Camille e Clément Ducol, foi igualmente elogiada pela crítica, principalmente pela inventividade. As coreografias e arranjos pouco pomposos, mas orgânicos, também chamaram a atenção. Outro defensor foi o crítico do jornal Milenio, Álvaro Cueva. “Se os grandes mestres do cinema, como Federico Fellini e Luis Buñuel, estivessem vivos, esse é o tipo de filme que eles fariam”, resumiu ele. Para todos os efeitos, o filme já provou ao que veio, com indicações nos principais festivais de cinema do mundo, recebeu premiações em alguns deles, sendo um dos mais indicados ao Oscar este ano: 13 estatuetas. As críticas, que depreciam a obra, deveriam ser reavaliadas, pensando no valor que elas podem ter para a comunidade LGBTQIA+. Elas podem ser consideradas, por alguns, exacerbadas e prejudiciais, para esta minoria, que vem sendo muito bem representada, não por Emilia Pérez, e, sim, pela primeira atriz trans a concorrer ao Oscar: Karla Sofia Gascón. _________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Fontes: SOTO, Cesar. Alvo de ódio de brasileiros, Karla Sofía Gascón, de 'Emilia Pérez', pede a Fernanda Torres: 'Me ajuda com essa galera'. G1 POP & ARTE. Cinema. 24 de janeiro de 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/google/amp/pop-arte/cinema/noticia/2025/01/24/alvo-de-odio-de-brasileiros-karla-sofia-gascon-de-emilia-perez-pede-a-fernanda-torres-me-ajuda-com-essa-galera.ghtml Acesso em: 26 de janeiro de 2025. PINTO, Flávio. “Emilia Perez”, filme com Selena Gomez, vai representar a França no Oscar 2025. CNN Brasil. 19 de setembro de 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/entretenimento/emilia-perez-filme-com-selena-gomez-vai-representar-a-franca-no-oscar-2025/ Acesso em: 26 de janeiro de 2025. Quem é Karla Sofía Gascón, primeira atriz trans indicada ao Oscar. BBC NEWS Brasil. São Paulo, 23 janeiro de 2025. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cvg9wlz1v39o.amp Acesso em: 26 de janeiro de 2025. BRAULIO, Lorentz. Emilia Pérez, ame ou odeie: como rival de Ainda Estou Aqui no Oscar foi de queridinho da crítica a filme mais zoado do ano. G1 POP & ARTE. Cinema. 16 de janeiro de 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/google/amp/pop-arte/cinema/noticia/2025/01/16/emilia-perez-ame-ou-odeie-como-rival-de-ainda-estou-aqui-no-oscar-foi-de-queridinho-da-critica-a-filme-mais-zoado-do-ano.ghtml Acesso em: 28 de janeiro de 2025.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

O GESTO DE MUSK E A EFETIVIDADE DAS POLÍTICAS DE TRUMP

Intencionalmente, ou não, o gesto “sieg heil”, ou saudação nazista de Elon Musk, na cerimônia de posse do presidente dos EUA, Donald Trump, foi celebrado por neonazistas e extremistas de direita nas redes sociais. O mais grave no simbolismo é o que ele representa efetivamente. As “políticas” de imigração, que começam a ser anunciadas por Trump, seguem conceitos semelhantes aos de eugenia, criados pelo inglês Francis Galton, no final do século XIX. No período entre Guerras, de 1918 a 1939, movimentos eugenistas, inclusive apoiados por intelectuais e pensadores de renome, se espalharam por vários países da Europa, da América, inclusive no Brasil. Trump, no seu primeiro dia de mandato, assinou medida que proibe a naturalização automática de filhos de imigrantes ilegais em território americano. Governadores entraram na Justiça para tentar derrubá-la. Algumas semelhanças, entre as características descritas abaixo, com as políticas de imigração anunciadas por ele, devem ser só uma mera coincidência, ou pura paranoia, não é mesmo? Três características da eugenia: 1. No início do século 20, os defensores da eugenia culpavam a biologia por problemas sociais como pobreza e criminalidade. Acreditavam que essas características ruins eram passadas de pais para filhos. 2. A eugenia estabelecia a diferenciação entre dois grupos: o grupo das pessoas “adequadas” e o das “inadequadas”. Os próprios defensores desta teoria definiam quem se encaixava em cada grupo. 3. Ela propunha medidas para “melhorar” a população. Também incentivava as pessoas “adequadas” a terem mais filhos, enquanto limitava a reprodução daquelas consideradas “inadequadas”. O objetivo era que, com essas medidas, a população em geral ficasse “mais forte e inteligente”. Justificando, que as medidas populistas de natureza xenófoba, racista e preconceituosa são para o bem da nação, seus detentores, por meio de seus discursos e simbolismos, persuadem a sociedade, fazendo muitos acreditarem, que são meios efetivos, para resolver os problemas da desigualdade social. Isso só foi possível, por conta das novas tecnologias digitais, usadas como ferramentas de doutrinação e manipulação, nunca vistas na história da humanidade. De todas as mídias existentes, nenhuma delas é tão ameaçadora e destrutiva, como a digital, quando usada com objetivos espúrios, como tem sido feito pela comunicação dos populistas de extrema direita. O que está acontecendo é um retrocesso gigantesco e genocida, que cidadãos, levados pelo conservadorismo e conceitos de extrema direita, apoiam, por não se darem conta, ou por não acreditarem na gravidade das suas consequências nefastas. Fontes: INVIVO/ Museu da Vida: http://surl.li/vcbzrq G1 MUNDO: http://surl.li/xmxgev

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

A relação entre as imagens de Airton Senna e Fernanda Torres

Airton Senna, tricampeão mundial de Fórmula 1, morto em maio de 1994, teve sua primeira aparição no grande prêmio do Brasil, no Autódromo de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, no início dos anos oitenta. Em 15 de janeiro de 85, o Brasil vivenciava a transição democrática, com a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, com 480 votos, contra 180 do candidato do PDS, Paulo Maluf. Com o falecimento de Tancredo, em 21 de abril de 85, assumiu a presidência o até então vice José Sarney. Em 28 de fevereiro de 86, Sarney anunciou o plano Cruzado, com o Ministro da Fazenda Dilson Funaro, com o objetivo de combater a inflação, que chegava a 517%. O plano de estabilização inicialmente bem-sucedido, pois a inflação caiu consideravelmente, fracassou no final de 86, chegando no primeiro bimestre de 87 a 337%. Mesmo que parte da população brasileira tenha encontrado meios para sobreviver e manter o consumo básico, durante a inflação galopante, a realidade para a maioria era de extrema pobreza. A recém extinta ditadura militar maquiava ou manipulava pesquisas que quantificassem o tamanho da fome.
"Dados do IBGE, coletados nos anos de 1974 e 1975, apontavam que 67% da população passava fome. Em 83, o documento Genocídio no Nordeste estimava a morte de 700 mil pessoas na região por causa da falta de comida. A carestia impulsionava a organização de movimentos populares, mas também fazia crescer reações desesperadas entre as famílias." Neste contexto, transição democrática, com elevadíssima taxa de fome e pobreza, eis que surge Airton Senna, personalidade que com os discursos e simbolismos midiáticos, transformou-se em herói brasileiro, com a responsabilidade de suprir a nação daquilo que ela mais necessitava: representação. Em todas as manhãs de domingo, o povo deixava as suas peculiaridades mais bizarras de lado, para acompanhar o seu grande ídolo. A sociedade do espetáculo, obra de Guy Debord, mostrava-se em sua completude. As cores de nossa bandeira representavam o espetáculo, e não as máculas de um país sofrido, causadas por interesses políticos e econômicos espúrios. Sequestros e assassinatos de um passado recente eram velados com lágrimas de contentamento, para se esquecer das insuficiências de um país empobrecido. Fernanda Torres, com a conquista do Globo de Ouro representa e simboliza, o contrário, aquilo que camufla e esconde o passado, aquilo que é negligenciado pelas luzes do grande show da mídia. O filme Ainda Estou Aqui, protagonizado por Fernanda, é uma pancada, um marco no cinema brasileiro, de grande importância histórica e política para o nosso país. Esclarece a tantos desinformados, e a muitos que não vivenciaram o regime, a gravidade e as consequências de uma ditadura, que perduram até hoje. Mesmo vivendo num regime democrático, os recentes e atuais acontecimentos, nos mostram a ascensão da extrema direita e que os ideais conservadores voltaram a fazer parte da nossa realidade, mesmo depois de tanto atraso, sofrimento, injustiça e indignação. Como após 21 anos de ditadura, ainda podemos ter no país adeptos e simpatizantes da extrema direita? Claro que, os mais esclarecidos sabem que os discursos e significados mentirosos, porém muito bem direcionados pelos conservadores nas mídias digitais, por inércia e falta de regulamentações, são os responsáveis, com a ajuda dos algoritmos, pelo poder de convencimento e engajamento de milhares de cidadãos. Como dito por Gilberto Maringoni da revista Cult: "ganhou Fernanda Torres, ganhamos todos nós, em tempos de desesperança. Ganhou a atriz excepcional que resgata nesta obra prima as denúncias de arbítrio, sequestros e assassinatos. Ganhou Marcelo Rubens Paiva. Ganharam os protagonistas e o diretor de um filme profundamente nacional, que mostra nossas mazelas, nossas disputas e as sombras que cobrem o presente.” A imagem de Airton Senna obliterava a visão da realidade, diluía a gravidade em que vivia o povo brasileiro, na homogeneidade do espetáculo. Fernanda, com a sua atuação orientada pela narrativa, esclarece e critica com contundência, a gravidade da negligência e do esquecimento. Com a desmistificação dos símbolos, fechamos as cortinas e conseguimos ter um maior discernimento daquilo que é dissimulado pela tendenciosidade e sensacionalismo do espetáculo. ________________________________________________ Fonte: LACERDA, Nara. Como era viver no Brasil da inflação descontrolada dos anos de 1980. Brasil de Fato. São Paulo, 18 de agosto de 2022. Disponível em: Acesso em: 07 de janeiro de 2025.

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

De volta a era Tatcher e Reagan, retroceder sempre, vencer jamais!

Há 40 anos, vivíamos o conservadorismo da gestão Thatcher e Reagan, o que muitos acreditavam ter superado. Na década de 80, o desinteresse e o preconceito com as minorias eram sustentados e potencializados pelos simbolismos — discursos e mensagens — projetados pelas mídias tradicionais. Hoje, a extrema direita tradicional voltou com muito mais ardor, que naqueles tempos. Logo após as ditaduras, os discursos autoritários permaneciam ainda muito fortalecidos, por falta de uma reeducação e amadurecimento críticos, pois acabávamos de nos libertar dos militares, principalmente, na América Latina, como no Brasil, Argentina e Chile. Em pleno 2024, vemos um retrocesso com o fortalecimento da bipolaridade, que parece cada dia mais consolidada. Mesmo sendo presidido pela esquerda, a direita e o centro se propagam cada vez mais nas prefeituras e governos brasileiros. Com Javier Milei na Argentina e o retorno de Donald Trump, a presidência dos Estados Unidos, percebemos que, o progressismo, perante aos ideais neoliberais e conservadores, continua arrefecido. Muitos criticam a inércia da esquerda, frente ao domínio dos discursos da extrema direita. Sem a imposição violenta das ditaduras, o que se vê é um marketing político e uma comunicação institucional conservadoras, porém muito mais perigosas e difíceis de se combater, devido ao poder dos algoritmos das mídias digitais geridos pelas prevalecentes bichtechs. A defasagem da esquerda, frente aos desígnios conservadores, não se dá exatamente por ineficiência, mas sim por dificuldade de orientar estratégias que não se alinhem ou se assemelhem com as da extrema direita, sustentadas por discursos falaciosos e mentirosos, que predominam por meio da disseminação de notícias falsas, as fake news. É difícil para os comunicadores e para aqueles que defendem os ideais progressistas e democráticos encontrarem uma saída diferente desses posicionamentos espúrios, porém, completamente, eficientes, quanto ao convencimento e consentimento das massas. O discurso não é novo, pois nos remete as mesmas mensagens perpetradas há mais de 40 anos, mas a estratégia sim é diferente, pois as mídias digitais, com uma regulamentação que começa aparecer de forma ineficaz e incapaz de sanar as grandes dificuldades e incógnitas, geradas pelo mundo digital, continuam sendo um ambiente sem lei, que, estrategicamente, e com uma grande competência e “profissionalismo”, na geração de conteúdos, conseguem seduzir milhares de adeptos, que passam acreditar piamente nas suas premissas e proposições, voltando a pensamentos que se acreditavam ter transcendido. No filme Blue Jean, produção cinematográfica inglesa de 2022, uma professora se vê forçada a levar uma vida dupla, por conta da sua homossexualidade, para não perder o seu emprego, perante a um clima de homofobia desenfreada, conduzido pelo conservadorismo da década de 80. Nesta época, devido ao conteúdo simbólico disseminado pelas mídias e o status quo, pais, professores e grande parte da sociedade encaravam que a conscientização, quanto a identidade de gênero nas escolas, era perigosa e prejudicial a educação e a disciplina, acreditando que isso fosse uma forma de defender a homossexualidade com relação aos alunos, que poderiam se ver influenciados a serem partidários de um posicionamento promíscuo e errático perante a moral e aos ideais religiosos. Esse tipo de pensamento voltou de forma contumaz com a ascensão da extrema direita. Misoginia, discriminação e preconceito da cultura patriarcal, da casa grande e senzala voltaram, defendendo que essas orientações são prejudicais a dignidade de Deus, da pátria e da família, ideais potencialmente reproduzidos nas mídias digitais, com grande poder de convencimento, dificultando qualquer tipo de debate e contestação.

sexta-feira, 10 de maio de 2024

COMUNICAÇÃO DIGITAL: MEIO DE DOUTRINAÇÃO E DESUMANIZAÇÃO

A comunicação, independente da sua forma, sempre vem acompanhada por uma técnica. Desse ponto de vista há uma evolução que tem valoração no âmbito da utilização e do progresso na vida dos indivíduos, como forma de facilitar e modernizar os processos de vivificação. Analisada no âmbito humanístico, da historicidade e do caráter dialógico, a técnica não tem a mesma equivalência que seus traços progressistas apregoam no campo das ideias, pelo contrário, quanto mais se aperfeiçoam as técnicas, mais característicos são seus traços alienantes e manipulativos. Sendo assim, quanto mais ela evolui, mais o individuo se desumaniza. Perpassam séculos e os conteúdos das mensagens e dos discursos permanecem os mesmos, o que muda é a tecnologia de difusão, que afasta ainda mais o homem da verdade factual. No campo da tecnológica há uma grande evolução, que não se reproduz no campo humanístico e das ideias. O pensamento de Comenius, ainda no século XVII, continua fazendo todo o sentido: “O homem é um animal bastante manso e divino se amansado por uma verdadeira disciplina, se não receber disciplina falsa, será o mais feroz dos animais que a terra pode produzir” Comenius Segundo Roland Barthes, o discurso mitológico não nega as coisas; a sua função é, pelo contrário, falar delas; simplesmente, purifica-as, inocenta-as, fudamenta-as em natureza e em eternidade, dá-lhes uma clareza, não de explicação, mas de constatação. Passando da história à natureza, faz uma economia: abole a complexidade dos atos humanos, confere-lhes a simplicidade das essências, suprime toda e qualquer dialética, qualquer elevação para lá do visível imediato, organiza um mundo sem contradições, sem profundeza, um mundo plano que se ostenta em sua evidência, e cria uma afortunada clareza: as coisas sozinhas parecem significar por elas próprias. A significação é criada e desenvolvida junto a um processo cultural e educativo homogêneo que doutrina, automatiza e condiciona o individuo. A humanidade não evolui analogamente junto à tecnologia. A técnica nasce dentro de uma cultura que não acompanha a sua evolução. Existe formação técnica, mas pouca educação política, histórica, humanística e dialógica. Não se desenvolvem seres pensantes e críticos, e sim, autômatos. No mundo digital não é diferente, continuamos utilizando a tecnologia de forma alienante, esquecendo do seu viés humanístico e integracionista, potencialidades que não são aproveitadas, pois vivemos numa sociedade doutrinária, enrijecida para o dialogismo, o humanismo e, principalmente, para a verdade factual. No Brasil, por exemplo, a utilização das mídias digitais, pela extrema direita, para a consolidação dos seus interesses, é extremamente competente. Ela segue forte no seu poder de manipulação e banalização das informações por emissores que conseguem por meio de suas mensagens e discursos manter forte o processo de ameaça aos ideais democráticos. Como diz Manuel Castells: “a evolução tecnológica, desencadeada pela engenhosidade humana, levou a sociedade à submissão e ao automatismo, fugindo do controle de seus criadores”. Não se deve responsabilizar o desenvolvimento tecnológico pela alienação humana, mas é fato que a educação, a cultura, a forma humanística e dialógica de nos comunicarmos não evolui da mesma forma que a técnica. É inviável, para o poder que manipula as instituições disciplinares, educativas e culturais, que se opere dentro do organismo social procedimentos que despertem a consciência e a capacidade crítica dos indivíduos, pois isso poderia levá-los a desbaratar a forma de construção de poder e dominação das massas. Constrói-se um discurso que nos leva a pensar em liberdade, quando na verdade continuamos presos pela teia de significados que nos é submetida. Recepcionamos a mensagem como querem que absorvamos, e continuamos a conceber a evolução tecnologia, ao mesmo tempo, que não percebemos a inércia dialógica e humanística. Respondemos à reprodução da sofisticação do mesmo, mantendo nossa espécie a deriva. Nos submetemos à transmissão cultural que nos mantem estúpidos. Desta forma, ela continuará servindo, exclusivamente, como ferramenta de doutrinação e alienação bem manejada por aqueles que detêm a condução dos discursos.

quarta-feira, 24 de abril de 2024

OS COMUNICADORES DA DESINFORMAÇÃO E AS TÉCNICAS UTILIZADAS PARA A PRODUÇÃO DAS FAKE NEWS

Aqueles que produzem as fake news não as fazem de forma aleatória sem procedimentos ou técnicas, são comunicadores que trabalham para causas abjetas. Tudo é organizado e confeccionado de forma meticulosa, profissional e competente. Esses profissionais, que trabalham em espaços clandestinos, sabem que o fato é somente um significante, que deve ser impregnado de significados, que condizem e respondem aos interesses e ideologias daqueles para quem estão produzindo a mensagem. Eles trabalham com eficiência e tecnicamente agem de duas formas: na primeira copiam a aparência da notícia confiável de forma vazia e oca, na segunda a preenchem com informações, não negam os fatos, de forma mítica e tendenciosa, deformam-os. O objetivo é que o receptor compreenda a notícia, para, em seguida, impor e fazer com que ele responda a mensagem de acordo com o interesse do emissor. Eles mimetizam ou imitam formatos jornalísticos, criando histórias fictícias ou míticas, utilizando-se de sentimentos primários, como ódios e preconceitos, explorando os medos, os desejos e os receios, quanto aquilo que é prejudicial a sociedade, mantendo o que já deveria ter sido transcendido ou emancipado. Sendo assim, a desinformação programada segue falsificando relatos noticiosos. Infelizmente, ela tem sido bem sucedida em sua empreitada, causando uma espécie de esquizofrenia coletiva dentro da Esfera Pública.

segunda-feira, 22 de abril de 2024

A BANALIZAÇÃO DA VERDADE COM A PROJEÇÃO DAS FAKE NEWS

A função do jornalismo, seja ele impresso, televisivo, radiofônico ou digital, é apurar a fato e reportá-lo, de acordo com as visões das fontes, deixando ao receptor, a responsabilidade da interpretação, com base na sua perspectiva da realidade. Toda notícia é vista de forma subjetiva e crítica, em consonância com aquilo que cada um enxerga e aprende sobre a verdade, mas a sua banalização, ou maior erro, está no fato de acreditar em uma versão, sem verificar a origem de sua procedência, dando credibilidade e projeção as mentiras das fake news.