quarta-feira, 22 de outubro de 2025

A ARTE COMO FERRAMENTA DE CONHECIMENTO E CONTESTAÇÃO FRENTE AOS SIGNOS TOTALITÁRIOS

As críticas e as referências do novo longa de Richard Linklater (Antes do Amanhecer, Jovens, Loucos e Rebeldes, Boyhood) Nouvelle Vague (A Nova Onda), inspirou-me a escrever sobre a importância da transgressão artística para a conjuntura que nos encontramos. A obra é uma homenagem ao movimento que teve como nomes principais Jean-Luc Godard e François Truffaut, que romperam com os padrões tradicionais do cinema industrial da década de 50 e 60, com inovações narrativas, estéticas e conceituais. Já mais contemporâneo, Dogma 95, movimento cinematográfico dinamarquês, veio com uma proposta semelhante de divergência e crítica. Criado por Lars Von Trier e Thomas Vinterberg, o objetivo era apresentar obras artísticas mais autênticas e realistas, despojando-se de artifícios de produção, como iluminação artificial, cenografia e música. O cinema, como outras escolas artísticas, deve ser uma oficina de aprendizagem e inovação, sem essas características se torna árido e deixa de ser arte. A grande sacada, seja no cinema, teatro ou literatura é a transcendência, é sair do lugar comum, da acomodação, daquilo que nos prende e nos mantêm inertes. Cinema é movimento, é transversalidade, não linearidade, é a quebra de métodos estanques e proibitivos, é ir além da verdade factual, utilizando-se de forma criativa da narrativa, que o torna uma ferramenta de conhecimento e contestação. Ir além daquilo que retrocede e permite que a humanidade se acomode em meio a eventos catastróficos, acreditando na força da “banalidade do mal”, que se utiliza da linguagem e da imagem para criar grandes mentiras, paradoxalmente convincentes. Antes do belicismo, dos genocídios, vem uma construção narrativa enriquecida com imagens, que convencem os idiotas, que a resolução se encontra no apocalipse. Joseph Goebbels, ministro da propaganda na Alemanha nazista, sabia bem disso, e os arquitetos da destruição da contemporaneidade recriaram e deram uma nova roupagem ao método propagandístico, que foi responsável pelo convencimento de milhares de pessoas, que a catástrofe é uma forma de higienização e construção de um novo mundo, livre daquilo que o deforma. Hannah Arendt foi bem convincente ao descrever em sua obra Origens do Totalitarismo sobre a convicção de que tudo o que acontece no mundo deve ser compreensível a ponto de nos levar a interpretar a história por meio de lugares-comuns. Para ela, compreender não significa negar nos fatos o chocante, negligenciar o espanto ou explicar fenômenos utilizando-se de analogias e generalidades que diminuam o impacto da realidade e o choque da experiência. Compreender significa encarar a realidade sem preconceitos e com atenção, e resistir a elas, sem a submissão daqueles que são envolvidos pelos tentáculos do “Totalitarismo Invisível”, que os fazem complacentes e coniventes com as mais absurdas formas de atrocidades e falta de humanidade que as acompanha. O que vemos hoje, é a repetição do “Mal Absoluto”, porque já não pode mais ser humanamente compreensível. A vitória totalitária pode coincidir com a destruição da humanidade, pois por onde passa mina a essência humana. Infelizmente, nos dias de hoje, num mundo muito mais tecnologicamente avançado, vemos o horror em tempo real e televisionado, como o que já foi presenciado fosse esquecido, uma espécie de oblívio ou amnesia coletiva, onde muitos se refugiam presos ao dogmatismo fundamentalista que os fazem acreditar que o extermínio de seres humanos é coisa banal e necessária para a evolução da espécie. Como descreve o sociólogo Manuel Castells, um dos maiores pensadores da sociedade em rede: “as forças tecnológicas desencadeadas pela engenhosidade humana e a submissão coletiva ao autômato, têm fugido do controle de seus criadores.” Elas vêm se impondo, consideravelmente, à política social e econômica atual. Hoje os poderes proporcionados pela "Sociedade em Rede" se amalgamam com os interesses totalitários dos novos arquitetos da destruição. _________________________________________ Referências: ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo: antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede: a era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999.