segunda-feira, 18 de março de 2024

COMUNICAÇÃO DE NICHOS VERSUS COMUNICAÇÃO DE MASSA

Na era digital vivemos uma das maiores crises que a informação já conheceu. A humanidade corre o risco de ser a mais desinformada de todos os tempos. Estamos vivendo a era do consumo exacerbado de histórias, que tornam a realidade uma confusão, minando completamente o senso crítico dos cidadãos. Para entendermos isso, é imprescindível que saibamos o processo de construção da comunicação, antes das mídias digitais. Com o advento do impresso, rádio e televisão, a comunicação foi massificada, produzindo uma percepção uniformizada da realidade. Na era da televisão, por exemplo, havia um entendimento compartilhado da realidade que nos cerca. A comunicação estava concentrada na mão de poucos. As novas mídias, diferentes das mídias tradicionais, transformaram todos os cidadãos em formadores de opinião. A comunicação se tornou mais rápida e sem o intermedio dos comunicadores (jornalistas, apresentadores, ancoras) e filtros tradicionais. Na busca por audiência, ao invés de uniformizar ou massificar o público, nas plataformas digitais, os algoritmos têm a tendência de dividi-lo em nichos ou grupos, veiculando discursos que acentuam esta divisão. Sigmund Freud dizia que nada é mais poderoso para ligar um conjunto de pessoas do que encontrar adversários em comum dos quais falar mal. Percebendo essa tendência, mesmo que de modo não intencional, a maneira como os algoritmos funcionam hoje favorece a difusão de conteúdos que opõem um grupo a outro, pois são essas as mensagens que geram mais engajamento. Nesse processo, o “mundo comum” se fragmenta. A comunicação deixa de ser de massa e passa a ser feita por nichos, seguindo uma nova lógica. Essa lógica acabou segmentando a sociedade, polarizando-a, por meio de mensagens-chave falaciosas (fake news) disseminadas por novas personalidades. As personalidades que dominavam a lógica do rádio e da televisão, não são mais exclusivas, hoje elas dividem espaço com uma nova espécie típica das novas mídias: o influencer. Esse tipo de comunicação não tem o mínimo cuidado com posicionamento ético, apuração e investigação, não se preocupam com a verdade factual. A mídia tradicional responsável pela veiculação e regulação da verdade se vê ameaçada pelas mentiras disseminadas nas redes sociais, que passam a ser mais críveis que a verdade. Alguns grupos e influencers enaltecem a mentira e descartam qualquer verdade que possa abalar suas ideologias. Assim explica-se a influência e a ascensão da extrema direita em todo o mundo. O poder de convencimento e manipulação por meio do domínio das redes digitais explica a polarização da sociedade nos dias de hoje. Sendo assim, parece que o otimismo do filósofo, sociólogo e pesquisador em ciência da informação e da comunicação, Pierre Levy, está bem longe do que realmente estamos vivendo: “Não são as minorias que se opõem as mídias digitais, e sim as organizações, cujas posições de poder, os privilégios e o monopólio, sobretudo em relação a soberania sobre a construção de mensagens, discursos e significados encontram-se ameaçados pela emergência dessa nova configuração comunicacional." Na atual conjuntura, parece que estamos mais próximos do pessimismo do escritor, professor e filósofo italiano, Umberto Eco, falecido em 2016: “As redes sociais deram voz a uma "legião de imbecis", que antes não prejudicavam a coletividade.”

sábado, 3 de outubro de 2020

NÃO CONHECEMOS A VERDADE, E SIM A HISTÓRIA QUE NOS CONTAM

A verdade só acontece uma vez, portanto é finita. Já as histórias, que narram a verdade, têm suas particularidades, e estão ligadas a visão e a ideologia dos seus emissores, o que de certa forma limita o aprofundamento e a proximidade da verdade factual. A finitude da verdade fica a mercê da infinitude das histórias narradas. 

O receptor é consumidor de histórias e não de verdades. É moldado pela história que consome, e que consequentemente forma sua visão de mundo, sua ideologia, a forma como concebe a realidade. A verdade é o resultado das CONCEPÇÕES INFINITAS. 


Na era do conhecimento, paradoxalmente, vivemos uma das maiores crises que a informação já conheceu. A humanidade corre o risco de ser a mais desinformada de todos os tempos. Estamos vivendo a era do consumo exacerbado de histórias, que tornam a realidade uma barafunda, minando completamente o senso crítico das novas gerações. 


Por mais problemáticas que pareçam, as mídias tradicionais e especializadas (rádio, televisão, impresso), que também se adaptaram ao digital, são os melhores e mais confiáveis meios de se informar sobre a verdade. 


Atualmente, como qualquer pessoa, sem nenhum tipo de formação técnica, pode reportar a verdade por meio de sua imparcialidade duvidosa, fica difícil o desenvolvimento do senso crítico por parte dos cidadãos. 


A verdade sempre foi manipulada, todos sabemos, mas hoje convivemos com manipuladores de procedência desconhecida. 


As Fake News são as maiores responsáveis pelo que eu chamo de ANTONÍMIA MIDIÁTICA, ou seja, a disseminação de VERDADES FALSAS, que tem grande influência sobre a opinião pública. 

Por mais que a verdade possa ser manipulada, nós os grandes consumidores devemos ter discernimento para separar a manipulação da mentira. A mentira não é beligerante, mas pode ser tão destrutiva quanto, pois deixam seus receptores semelhantes a uma horda de mortos vivos, como vemos no cinema. Pode ser uma hipérbole, mas nestes dias não fica difícil de se identificar com os zumbis do longa-metragem Guerra Mundial Z, protagonizado por Brad Pitt. Por meio deste exagero e ficção, talvez possamos entender melhor a nossa realidade. 


Sendo assim, parece que o otimismo do filósofo, sociólogo e pesquisador em ciência da informação e da comunicação, Pierre Levy, está bem longe do que realmente estamos vivendo:

“Não são as minorias que se opõem as mídias digitais, e sim as organizações, cujas posições de poder, os privilégios e o monopólio, sobretudo em relação a soberania sobre a construção de mensagens, discursos e significados encontram-se ameaçados pela emergência dessa nova configuração comunicacional." 


Na atual conjuntura, parece que estamos mais próximos do pessimismo do escritor, professor e filósofo italiano, Umberto Eco, falecido em 2016, que concluiu: “As redes sociais deram voz a uma "legião de imbecis", que antes não prejudicavam a coletividade.”


por Ricardo Bressan

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

AS FALÁCIAS DO MUNDO SUSTENTÁVEL

Como no regime comunista e capitalista, o conceito de sustentabilidade, também, carrega seus argumentos e premissas falaciosas, com o objetivo de perpetuar os interesses da classe dominantee


São comuns os nossos discursos carregados de alteridedade, altruísmo e solidariedade, mesmo que em nossas ações cotidianas essas práticas sejam tão pífias, como define o pensador darwinista Richard Dawkins: “Como indivíduos, não raro, nos comportamos de forma egoísta. Nos momentos idealistas reverenciamos e admiramos aqueles que colocam o bem-estar dos outros em primeiro lugar.”

Quando se pergunta às organizações e aos cidadãos o que eles entendem por sustentabilidade, as respostas, quase sempre, submetem-se ao descarte responsável, reciclagem, redução da emissão de CO2 e do desmatamento desenfreado, consumo de produtos orgânicos, entre outros. 

Na minha ingênua opinião, as premissas adotadas por essa filosofia são formas de perpetuar a manutenção dos interesses espúrios do capital.

A mudança não virá da “ECOBOLHA”, que produz pão artesanal e acha bonito pagar caro para comer alimento orgânico. Para mim, isso tem outro nome: VIABILIZACÃO DA MISÉRIA. 

Só teremos uma sociedade melhor, quando todos puderem pisar com dignidade nesta Terra, que oferece tudo o que precisamos. Cabe a nós reivindicarmos os recursos necessários, para que isso um dia venha a se concretizar.

A razão de ser sustentável não está atrelada a tentativa corporativista e frustrante de ser GREEN. É essa visão fantástica e rasa que esvazia o verdadeiro sentido da sustentabilidade. 

É bom lembrar que as políticas ambientalistas, que por hora são adotadas, abrem as portas para se praticar o protecionismo contra produtores brasileiros, favorecendo concorrentes nos mercados internacionais. 

Há que se cuidar para combater a destruição do meio ambiente, evitando que a agropecuária brasileira seja criminalizada.

A melhor forma de viver e tomar ações de forma sustentável é ouvir e respeitar os povos originários da nossa terra, que lutam há séculos para preservar nossos biomas.

Viver de forma sustentável é investir nas ideias que nascem e morrem nas favelas e periferias do Brasil. É contratar e promover as minorias. É criar oportunidades para que elas liderem a mudança. É fazer com que o dinheiro – meio de troca tão poderoso no mundo do capital – circule entre aqueles que sofrem mais com o sistema. É exigir por parte do Estado a  reforma agrária e urbana, a taxação de grandes fortunas, protestar contra o desmonte do Estado, ou adoção do Estado Mínimo. O desafio é enorme, mas enquanto as prerrogativas da mudança partirem do verticalismo indômito da minoria abastada, responsável pela manutenção do poder, continuaremos chafurdando na inconsistência de conceitos retrógrados.


quarta-feira, 8 de julho de 2020

HIPOCRISIA

Já estamos saturados de solidariedade, altruísmo e compaixão
Já estamos fatigados dessas coisas tentar
Queremos voltar a nossa natureza
Já estamos cansados da convivência, queremos nos dispersar, nos desencontrar
Nunca foi tão urgente nos perdermos nas ruas, na escuridão, nos perdermos da luminosidade da união
Vamos correr! Vamos correr!
Que o vazio da solidão volte a nos encontrar
Não aguentamos mais nos reunirmos para amar


Chega da hipocrisia da mudança,
Não aguentamos mais a troca, a alteridade, a convivência pacata
Não! Não aguentamos mais!
Que os shoppings voltem a abrir
Voltemos aos bares para nos embebedar, ao final do expediente, para esquecermos que para casa temos que voltar
Não! Não aguentamos mais conviver, nos escondamos no mar de consumo.
Para que hesitar?
Vamos nos desencontrar, não vamos nos desperdiçar em lapsos de união que essa pandemia nos força a acatar, pois já se contam os dias para ela acabar
Chegue logo!
Chegue logo, o dia em que vamos novamente nos reunir para flertar, consumir, nos perder no egocentrismo, egoísmo, da busca do bem estar, que somente o prazer imediato pode nos dar
Vamos deixar de nos detestar
Vamos voltar para o individualismo
Vamos deixar de nos enxergar
Vamos voltar a conviver na distância que nos faz suportar a existência que um dia a de acabar
Que chegue o dia em que vamos bradar:
Bem-vindos de volta a natureza da qual tentamos nos desvincular.

Por Ricardo Bressan

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Novas tecnologias: apocalipse ou evolução?


Concordo, em parte, com Zygmunt Bauman e Umberto Eco, dois dos maiores pensadores da contemporaneidade.
O primeiro diz que os relacionamentos amorosos e as interrelações geradas pelas conexões virtuais são efêmeras, o segundo que as redes sociais deram voz a uma "legião de imbecis", que antes não prejudicavam a coletividade.
Analisemos!
A tecnologia digital nos proporcionou, além do que esses grandes pensadores afirmam, uma relação transversal que inexistia. Quero aqui enfatizar seu aspecto positivo, não considerando somente uma análise niilista dos fatos.
É verdade que as novas tecnologias, incluindo redes sociais, TV a cabo, telefonia e aplicativos digitais deram uma nova cara às relações interpessoais e até mesmo intrapessoais, as quais, por muitas vezes, causa alienação, isolamento e por conseqüência a potencialização de doenças psicossociais.
Mas, se nos ativermos aos pontos consideráveis positivos, temos uma técnica dialógica e humanista.
Vamos ao ponto!
Com as tecnologias analógicas não tínhamos a possibilidade de interagir, ficávamos presos às grades impositivas que nos impossibilitavam de gerar opiniões, por mais “imbecis" que fossem.
Concordo com Eco, quando diz que as redes sociais deram voz a uma horda de imbecis, mas que, no entanto, se amalgamaram a uma grande legião de pensadores e estudiosos que rechaçam com veemência e veracidade as organizações que eram blindadas pelas técnicas verticais.
Há duas décadas, vivíamos a ambiguidade, tanto nos nossos relacionamentos amorosos quanto nos interpessoais e intrapessoais.
Nos relacionamentos amorosos, por exemplo, conhecíamos pessoas no trabalho, em bares, casas noturnas e outras, sem nos atermos, num primeiro momento, à compatibilidade de valores, imprescindível para a continuidade da relação.
Em minha opinião, por mais dúbio que pareça o relacionamento conectado, ele pode nos oferecer, se o selecionarmos de forma estratégica, a consolidação de redes inteligentes e relacionamentos duradouros, sejam eles amorosos ou de conhecimento.
Hoje, temos a opção de escolhermos nos desvincular da submissão analógica.
Podemos escolher o que assistir, devido à tecnologia digital do streaming, que nos dá as opções de conhecimento e entretenimento.
Assisto a um filme de arte "A grande beleza" de Sorrentino ou a um besteirol "Os mercenários" de Sylvester Stallone?
Antes, a opção era desligar o aparelho. Hoje, podemos optar em progredir e regredir, e não ter a regressão ou o estático como as únicas opções.
Os aplicativos que nos mostram tudo o que tem ao nosso redor (restaurantes, bares, estacionamentos, cinema, teatro e outros) nos dão a opção de escolher, e não nos restringirmos ao comum.
Os aspectos negativos e positivos da tecnologia digital são muitos, mas não devemos generalizar, e sim, reinventar. Melhor termos uma coletividade que transita entre uma linha tênue da imbecilidade à genialidade, do que a neutralidade submissa que não dá voz nem à idiotia nem à metafísica, e sim, a verticalidade de indivíduos e instituições de poder.
Prefiro acreditar no otimismo de Manuel Castells e Pierre Lévy do que no pessimismo de Eco e Bauman.
Como dizem os dois primeiros: “as forças tecnológicas desencadeadas pela engenhosidade humana e a submissão coletiva ao autômato, têm fugido do controle de seus criadores.” Castells
“Não são as minorias que se opõem as mídias digitais, e sim as organizações, cujas posições de poder, os privilégios e o monopólio, sobretudo em relação a soberania sobre a construção de mensagens, discursos e significados (signos) encontram-se ameaçados pela emergência dessa nova configuração comunicacional." Pierre Lévy

quinta-feira, 14 de maio de 2020

NADA MUDARÁ ESSENCIALMENTE NA HUMANIDADE CAPITALISTA E SELVAGEM, APÓS O CORONAVÍRUS.

Se estou otimista? No curto prazo histórico, os próximos 200 anos, não! Não estou. O coronavírus não alterará o espírito mesquinho, materialista e egoísta da humanidade. É uma ingenuidade perigosa pensar assim porque nos tira, casuisticamente, a responsabilidade pela transformação verdadeira e profunda, e a delega para algo extrínseco a nós. Deus? Ele nos enviou a pandemia para o avanço e a regeneração da humanidade? Ora, por favor! Acreditar nisso é acreditar que “Deus” - essa entidade que criamos à nossa imagem e semelhança para apaziguar nosso vazio existencial, também nos enviou a gripe comum, o tétano, a dor-de-dente e a verruga.
Sejamos realistas! Deus, então, deveria estar dormindo durante o mais catastrófico evento da humanidade, a Segunda Guerra Mundial. A grande guerra matou 85 milhões de pessoas, cerca de 3% da população mundial da época. E o que mudou em termos profundos, desde então? Ampliamos inegavelmente os nossos conhecimentos científicos e tecnológicos. Mas aprofundamos dramaticamente o fosso entre os mais ricos e os mais pobres, produzimos um nível de concentração da renda global criminoso, aceleramos milhares de vezes a destruição de habitats, poluímos o planeta em uma escala brutal, inventamos e instalamos um arsenal atômico que pode destruir a Terra inúmeras vezes (como se houvesse muitas Terras a se destruir), sofisticamos as formas de corrupção sistêmica submetendo as instituições sociais e democráticas, ao redor do mundo, aos interesses do sistema financeiro global etc. Não será, definitivamente, o coronavírus o que nós fará repensar a humanidade. É uma ingenuidade irritante e até covarde. Exatamente o argumento de quem não quer e não vai mudar nada, a não ser as aparências.
O “sistema” engendra mecanismos extremamente sofisticados para se adaptar e se fortalecer. Ora, “o Capitalismo é feito (justamente) de crises. O Capitalismo não é uma Economia: é um modo de se reproduzir”, escreve o psicanalista e escritor argentino, Jorge Alemán. E eu acrescento: o sistema é muitas vezes mais mortal do que o coronavírus. 8500 crianças morrem de desnutrição todos os dias, ao redor do planeta! A fome absoluta e mortal atinge 820 milhões de seres humanos neste exato momento.
O coronavírus vai nos transformar em seres humanos melhores? Não, não vai. Apenas dizemos isso porque estamos no meio da barafunda, como o sujeito que toma um porre homérico e, no meio da mais desgraçada ressaca, promete nunca mais beber. Dois finais de semana depois está louco para tomar outros goles. Estamos no meio da ressaca. Só isso.
Em tempo, muitos dirão, por essa crítica ao Capitalismo, que defendo o Comunismo. Ora, o Comunismo é uma invenção Capitalista! Quem financiou o Estado bolchevique na URSS, após a revolução de 1917? Os banqueiros franceses e ingleses! Os próprios Rothschild viabilizaram o avanço do Comunismo na Europa, porque as revoluções são um grande negócio! Ideologias conflitantes geram crises e guerras. Crises e guerras são a essência do modelo de expansão Capitalista: muitos perdem para que poucos (eles, os “Mustafás Monds” - quem leu Aldous Huxley vai entender), pois bem, para que poucos concentrem os espólios dos muitos perdedores.
Essa história toda que a gente ajuda a contar sobre o livre mercado, sobre o “laissez faire” seria muito bonita se fosse verdadeira. Não é assim que o sistema funciona. O sistema funciona como uma máquina brutal de submissão global, corrupta e sem alma , sem nenhum escrúpulo ou compromisso humano. A indústria de armamentos, da morte, por exemplo, cresceu em um ritmo muito acima da maioria de outros setores do mercado, nos últimos 50 anos. E os grandes investidores em armamentos são os mesmos que investem na indústria alimentícia, farmacêutica ou automobilística. A mesma mão que alimenta e veste é a que bombardeia civis indefesos e mata de câncer por aditivos químicos na comida (e também a que vende os medicamentos caríssimos e os planos de saúde para tratar do tumor).
É preciso compreender que não existe uma “ética social” no sistema, apenas histórias manipulativas. Nós, o gado servil, é que pensamos assim. Os donos do sistema, os 0,8% da humanidade que definem, em última instância, o destino dos demais 99,2% de nós todos, pensam em poder e dominação. Só. E é assim que o mundo funciona desde os tempos dos faraós, ou antes deles. E é assim que continuará, cada vez mais aceleradamente, com os adventos tecnológicos.
Nós, que não estamos no Olimpo, que vivemos na sociedade humana perceptível, sejamos pobres, médios e até os que são considerados ricos, vivemos com as migalhas desse processo tão gigantesco, tão imenso que mal o enxergamos. A riqueza passa diante dos nossos olhos e é rapidamente reincorporada pelo sistema, por meio do consumo. O sistema recolhe o resultado e mais um pouco, devolvendo cada vez menos do que o trabalho pôde produzir. Isso não vai mudar.
Seria necessário a força de uma hecatombe proporcional a de um cometa, como o que deletou os dinossauros, para instalar um novo processo para os próximos milhões de anos. E, mais uma vez, isso não seria Deus: seria um cometa. Somos, a sociedade humana, na melhor das hipóteses, um experimento malfadado.
Exponho, assim, minha profunda e total descrença na humanidade. Prova disso é a expressão “novo normal” que significa continuar, o tanto quanto nos for possível, a fazer tudo o que já fazíamos antes, ou seja, nenhuma mudança significativa em essência: mesquinhos, materialistas e egoístas.
O ator Flávio Migliattio, morto no dia 04 de maio, escreveu pouco antes de morrer, no alto de seus brilhantes 85 anos: “algo deu errado com a humanidade por aqui”. Em meus não tão brilhantes 53 anos vestindo este holograma biológico chamado “corpo”, vivendo na face deste planetinha pequenino, lindo e frágil, sou obrigado a assinar a carta com ele. Porque as exceções não chegam a formar uma força de mudança efetiva.
E, assim, creio, sobretudo depois do advento da vacina que virá, que o pós- coronavírus será um lugar no qual mais um projeto de regeneração civilizatória será desperdiçado. Pouco a pouco, se tornará apenas mais um rastro, um eco distante nas páginas da história sangrenta, hipócrita e inexplicável de uma civilização perdida neste pequeno ponto azul, na periferia de uma galáxia sem importância alguma entre outras bilhões de galáxias, nesse vasto universo, entre tantos outros universos... E como disse o economista, John Maynard Keynes, o fato é que no longo prazo todos estaremos mortos.

RESPONSABILIDADE SOCIAL NÃO É SOLIDARIEDADE OU FILANTROPIA

A GRANDE MÍDIA RESOLVEU DAR UMA NOVA SIGNIFICAÇÃO AS EMPRESAS QUE CUMPREM COM SUAS OBRIGAÇÕES OU RESPONSABILIDADES SOCIAIS: SOLIDARIEDADE S/A
Por que, com a atual crise, desencadeada pela pandemia de coronavírus, ações que não passam de responsabilidades sociais e obrigações das grandes empresas, para com seus públicos de interesse, passam a ser chamadas de solidariedade?
Em primeiro lugar, para responder essa questão, é necessário saber qual a importância do ativo intangível para as organizações. Assim, é bom que saibamos, que, esse tipo de ativo, está voltado para a identidade corporativa, para sua valoração e projeção institucional, não comercial, num primeiro momento, que a médio e a longo prazo, agrega valor à organização, trazendo, futuramente, o retorno financeiro esperado. Esse tipo de investimento está intrinsicamente ligado a cultura, ou seja, as virtudes e aos valores institucionais.
Nessa linha de pensamento, constata-se que a projeção da imagem, por meio do fortalecimento da identidade, ou seja, o que a instituição realmente é, como ela se comporta, do ponto de vista ético, com relação aos seus públicos de interesse ou stakeholders, possui um forte simbolismo para agregar qualidades ao longo de sua trajetória. Estamos falando de virtudes, do ativo voltado para tudo aquilo que não se pode tocar, mas que tem grande valor para a empresa.
O tripé da sustentabilidade, também, chamado de triple bottom line, é a ferramenta que melhor mensura os ativos intangíveis do ponto de vista econômico, mas, principalmente, do ponto de vista social e ambiental.

Neste artigo, vamos tratar somente do aspecto social, que se refere ao tratamento do capital humano da sociedade, que determina onde a empresa está inserida. É esse o aspecto que nos importa, quanto a responsabilidade das empresas frente a pandemia de COVID-19.
Com a explicação dada, já podemos responder à pergunta que não quer calar. Não é solidariedade, pois, as ações sociais, não passam de obrigações e responsabilidades, com objetivo de projetar a marca por meio da valoração dos ativos intangíveis.
A atual crise faz emergir a personalidade das instituições, que não se comprometem com aqueles que as compensam.

As empresas que realmente podem manter seu quadro de funcionários parados, sem demiti-los, durante o período de quarentena, não fazem mais que sua obrigação, pois, assim, procedem por terem um fundo de reserva destinado a prevenção de crises. Aquelas que investem nos ativos intangíveis em prol do seu público de interesse, não estão doando ou fazendo filantropia, estão somente valorizando a reputação e a imagem da sua identidade.
Ajudar os stakeholders, pois são esses que vão manter as operações das empresas ativas, após o período de pandemia, é obrigação, responsabilidade e investimento. Sendo assim, contribuições em hospitais de campanha e doações não são filantropias, mas acima de tudo inteligência e investimento intelectual de valoração organizacional.
As instituições que não têm um plano, não o fizeram, pois estão presas ao acúmulo de capital sem nenhuma responsabilidade para com seus públicos de interesse, como no caso das organizações Madero e Havan. A primeira demitiu 600 e a segunda 11 mil funcionários, metade dos seus empregados, pensando em preservar seus ativos, sem se importar com as condições que deixariam seus colaboradores, os principais responsáveis pela preservação e manutenção de suas operações. Empresas como essas devem ser rechaçadas pela sociedade, pagando assim o preço de suas irresponsabilidades. Infelizmente, não são as leis que vão punir essas atitudes, e sim os que são impactados diretamente pelo egocentrismo empresarial.
Hoje, o “boletim de ocorrência” não é só descrito e gravado nos registros da grande mídia, mas também nos arquivos das mídias digitais, ao alcance de um clique para qualquer interessado, por meio das ferramentas de busca.

Como define um dos grandes pensadores da contemporaneidade Richard Dawkins:
“Como indivíduos ou organizações, não raro, nos comportamos de forma egoísta (identidade). Nos momentos idealistas reverenciamos e admiramos aqueles que colocam o bem-estar dos outros em primeiro lugar (imagem).”
Na maioria das vezes, o “altruísmo” e a “solidariedade” das organizações se faz acompanhar pelo egoísmo e conflito de interesses entre elas. Aí a necessidade de uma política compensatória, entendendo-se, por isso, a função de cada uma delas, com foco nos seus objetivos e resultados, respeitando a cultura e a necessidade de todos os envolvidos direta e indiretamente ao processo.