terça-feira, 9 de abril de 2024

“SUPERINDÚSTRIA DO IMAGINÁRIO” POTENCIALIZA E ALIMENTA A “BANALIDADE DO MAL”

A HUMANIDADE VIVENCIA A POTENCIALIZAÇÃO DA “BANALIDADE DO MAL” DISSEMINADA E ALIMENTADA CONSTANTEMENTE PELA “SUPERINDÚSTRIA DO IMAGINÁRIO”. Em 1963, foi lançada a obra Eichmann em Jerusalém, escrita pela filósofa política Hannah Arendt. Nela ficou conhecido o conceito de “banalidade do mal”, concebido graças a sua erudição e potencialidade. Como jornalista da revista The New Yorker, ela acompanhou, nos meses de fevereiro e março de 1963, o julgamento de Adolf Eichmann, oficial da Gestapo, durante o holocausto, e um dos principais responsáveis pela morte de milhões de judeus no campo de concentração de Auschwitz. O conceito desenvolveu-se com a observação da mediocridade do réu, que estava pronto a obedecer a qualquer voz de comando, revelando a sua ignorância e sua incapacidade de discriminação moral. Sendo assim, os clichês e os eufemismos do Terceiro Reich o influenciavam e evidenciavam a sua incapacidade de fazer qualquer coisa que não fosse técnica e burocraticamente ligado a seu trabalho, a sua capacidade de negligenciar o mal, a mediocridade do não pensar personificados e alinhados ao sujeito demente e demoníaco. Com essas observações, Arendt definiu este tipo de comportamento como “banalidade do mal”. Pode-se observar a transposição e a potencialização deste pensamento para os dias de hoje. A forma continua a mesma, o que muda é o conteúdo da mensagem e a técnica responsável pela sua transmissão. Na época do nazismo, a mentira que mais serviu como mensagem-chave foi: “a batalha pelo destino do povo alemão”, cunhada por Hitler e Goebbels que tornou mais fácil o auto-engano dos cidadãos alemães sob três aspectos: “sugeria em primeiro lugar que a guerra não era guerra, em segundo que foi iniciada pelo destino e não pela Alemanha, e, em terceiro, que era questão de vida ou morte para os alemães, que tinham de aniquilar seus inimigos (principalmente, os judeus) ou ser aniquilados.” A lógica particular e subjetiva do discurso facista de hoje segue uma linha semelhante: convence, principalmente, a classe média, de que a ascensão das minorias é uma ameaça ao bem estar da sociedade, que se resume, àqueles que estão no topo da pirâmide, ou seja, nos andares de cima do edifício social. A propaganda nazista era transmitida principalmente pelo rádio e pelo cinema. Os signos eram criados e imediatamente recepcionados pela opinião pública, que aderiu ao discurso, permitindo ao regime dar cabo a uma das maiores atrocidades da história: a execução de seis milhões de judeus. Hoje, diferente daquela época, a mensagem deixa de ser massificada e uniformizada, para se propagar em forma de nichos, por meio das mídias digitais, que se aproveitam da ignorância, da mediocridade do não pensar, tornando a realidade uma confusão, minando completamente o senso crítico dos cidadãos. O processo de disseminação das mensagens é diferente das mídias tradicionais. Na era da televisão, por exemplo, havia um entendimento compartilhado da realidade que nos cerca. O discurso estava concentrado nas mãos de poucos. As novas mídias, diferentes das mídias tradicionais, transformaram todos os cidadãos em formadores de opinião. A comunicação se tornou mais rápida e sem o intermedio dos comunicadores (jornalistas, apresentadores, ancoras) e filtros tradicionais. Na busca por audiência, ao invés de uniformizar ou massificar o público, nas plataformas digitais, os algoritmos têm a tendência de dividi-lo e filtra-lo em nichos ou grupos, veiculando discursos que acentuam esta divisão. Percebendo essa tendência, mesmo que de modo não intencional, a maneira como os algoritmos funcionam favorece a difusão de conteúdos que opõem um grupo a outro, pois são essas as mensagens que geram mais engajamento. Nesse processo, o “mundo comum” se fragmenta. A comunicação deixa de ser de massa e passa a ser feita por nichos, seguindo uma nova lógica. Essa lógica acabou segmentando a sociedade, polarizando-a, por meio de mensagens-chave falaciosas (fake news), disseminadas por novas personalidades. As personalidades que dominavam a lógica do rádio e da televisão, não são mais exclusivas, hoje elas dividem espaço com uma nova espécie típica das novas mídias: o influencer. Este não tem o mínimo cuidado com posicionamento ético, apuração e investigação, não se preocupa com a verdade factual. A mídia tradicional responsável pela veiculação e regulação da verdade se vê ameaçada pelas mentiras disseminadas nas redes sociais, que passam a ser mais críveis que a verdade. Alguns grupos e influencers enaltecem a mentira e descartam qualquer verdade que possa abalar suas ideologias. Assim explica-se a influência e a ascensão da extrema direita em todo o mundo. O poder de convencimento e manipulação, por meio do domínio das redes digitais, explica a polarização da sociedade nos dias de hoje. Isso só foi possível, pois os novos comunicadores (influencers) descobriram que poderiam se beneficiar da “Superindústria do Imaginário”, expressão criada por Eugênio Bucci, professor tilular da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), para se referir as gigantes da internet ou big techs, como Facebook, Instagram, Google e X/Twitter. Por meio delas, esses influencers conseguem direcionar suas mensagens com mais facilidade e exatidão aos targets ou públicos de interesse. Pelos algoritmos, identifica-se as preferências, direcionando ao receptor, que teve sua subjetividade manipulada, a mensagem-chave, que o manterá a serviço do emissor. Hoje, semelhante à Eichmann e ao povo alemão, os cidadãos têm a sua ignorância e falta de senso crítico potencializas e alimentadas pela “Superindústria do Imaginário”.