quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Não vivemos um paradigma determinista, mas sim condicionante

Inicio este artigo comentando sobre a mutação cultural axiomática que se perfaz na sociedade, proporcionada pelas mudanças causadas pela “Cibercultura’. Essa mudança estrutural principalmente ao que diz respeito à interação, ou seja, ao relacionamento e a forma de se comunicar que se deu no organismo social, aos poucos se defronta com a exclusividade da soberania das organizações sobre a construção de significados, proporcionando condições de mudança do status quo. Isso quer dizer que hoje a técnica, especificamente as mídias digitais, abre possibilidades que algumas opções culturais ou sociais não poderiam ser pensadas no passado.

Como diz Pierre Lévy[1], muitas possibilidades são abertas, mas isso não quer dizer que serão aproveitadas. No entanto, a tecnologia dá condições para que situações ou estruturas sejam modificadas, mas isso não significa que ela seja determinante. Por exemplo, o surgimento das mídias sociais não determina automaticamente o desenvolvimento da inteligência coletiva, apenas fornece a ela condições, ou seja, um ambiente propício para que isso se efetive (LÉVY, 2010). [2]



“Uma técnica ou tecnologia (aqui no caso a digital) é produzida dentro de uma cultura, e uma sociedade encontra-se condicionada por suas técnicas. E digo condicionada e não determinada. Essa diferença é fundamental.” (LÉVY, 2010, p. 26).

Por trás da tecnologia agem e reagem ideias, projetos sociais, utopias, interesses econômicos, estratégias de poder, toda a ambição dos homens e organizações em sociedade. Sendo assim, qualquer atribuição de um sentido único à técnica ou tecnologia, como diz Levy, só pode ser dúbia. A ambivalência ou a multiplicidade de significações e dos projetos que envolvem as técnicas são evidentes. Não há como pensarmos em determinismo (LÉVY, 2010).


Nem tudo que é feito nas redes digitais é bom. Isso seria a mesma coisa que dizer que todos os espetáculos são excelentes. Lévy faz um apelo:

“Que permaneçamos abertos, benevolentes, receptivos, em relação à novidade. Que tentemos compreendê-la, pois a verdadeira questão não é ser contra ou a favor, mas sim conhecer as mudanças qualitativas na ecologia dos signos, o ambiente inédito que resulta da extensão das novas redes de comunicação para a vida cultural dos cidadãos e organizações. Apenas dessa forma seremos capazes de desenvolver estas novas tecnologias dentro de uma perspectiva humanista.” (LEVY, 2010, p. 26).

As organizações não devem negligenciar as implicações proporcionadas pela tecnologia digital. Não devem deixar de contemplar as implicações culturais da cibercultura em todas as suas dimensões.

As minorias não se opõem às mídias digitais e às redes que se formam dentro delas, ao contrario, são aqueles (organizações) cujas posições de poder, os privilégios (principalmente culturais, econômicos e políticos) e os monopólios, que se encontram ameaçados pela emergência dessa nova configuração da comunicação.

A cibertecnologia deixou exclusivamente a grande competição econômica mundial entre grandes empresas, monopólios e oligopólios e entre os grandes conjuntos geopolíticos para responder, também, aos objetivos de usuários que procuram aumentar a autonomia do indivíduo e sua capacidade cognitiva e democrática. 

Portanto, encoraja o ideal de ativistas da rede que desejam melhorar a colaboração entre pessoas e a diminuição da exclusividade das organizações e da grande mídia na construção de discursos, mensagens e imagens, assim dando vida a diferentes formas de inteligência coletiva e distributiva. Essas relações heterogêneas e interativas entram, constantemente, em conflito com as organizações.

Os movimentos democráticos nascidos nas redes, por mais que tenham influenciado na política e na agenda das organizações, instalando de maneira exitosa mudanças nas suas agendas, ainda, não conseguiram amadurecer e acumular forças suficientes para si mesmos.

Para isso, é preciso a formulação de uma estratégia, projeto e execução que os permitam constituir uma força social e política, focadas numa democracia direta, capaz de consolidar seus objetivos. Mesmo com essas deficiências, as redes sociais dão origem a um ambiente comunicacional paradigmático, onde se configura uma interação caracterizada pela transversalidade. Portanto, um relacionamento que não mais se restringe aos conteúdos produzidos pelas mídias tradicionais e às áreas de comunicação organizacionais que se caracterizam por uma comunicação vertical.

Além de se diferenciar no caráter estético, com a construção, a convergência de mídias e a não linearidade, as mídias digitais permitem a divergência de opiniões e abrem espaços às discussões e às formações das comunidades. Por isso, é um risco às mídias tradicionais e às organizações. À primeira por ter que se adaptar a essas gerações que têm outro tipo de relação com a informação e o conhecimento e à segunda por ter que mudar seus processos de gestão, ou seja, sair de uma administração que ainda vigora, em muitas organizações/empresas, aos ditames do taylorismo e fordismo.

A nova cultura comunicacional condiciona a adaptação das organizações a essa realidade, num processo que muito se assemelha à teoria da evolução de Darwin. A geração X se esforça para se condicionar, se adaptar ao meio ou opta por negligenciá-la, diferentemente daquela que já nasce persuadida pela evolução.
As empresas não são diferentes, aquelas que surgem, as startups, têm mais facilidade em se condicionarem às novas tecnologias e às mudanças que elas causam no organismo social. Essa nova configuração é uma ameaça às organizações acostumadas e condicionadas a um modelo mecanizado, o que torna muito mais difícil a adaptação, pois ele está ligado ao automatismo e a valores, cultura, missão e visão organizacional que precisam ser modificadas.

Muitos, sem citar os da geração Y, já vêm se condicionando às novas mídias e utilizando-as de forma “agressiva” contra organizações que os desrespeitam como consumidores e cidadãos. Imaginem o que serão delas com a nova geração adaptada e muito mais exigente, veloz e voraz por informação e interação digital.

Por que será que a maioria das organizações não utiliza essas plataformas, com o mesmo potencial que os consumidores ou cidadãos vêm utilizando-as, com objetivo de engajá-los institucionalmente e posicionar sua marca de forma ética, fortalecendo identidade e utilizando-se da comunicação mercadológica para refletir a imagem de forma idônea, condizente com o que realmente é ou faz?

Algumas organizações/empresas já têm, através de suas propagandas, mostrado a consciência dessa nova configuração social. Basta saber se as imagens que divulgam condizem com as suas reais identidades. Enfim, é tempo de as organizações repensarem seus modelos de gestão e adotarem novas estratégias que exijam transparência financeira, social e ambiental perante seus públicos de interesse e a sociedade, se quiserem sobreviver à evolução.

Referências
[1] Pierre Lévy (Tunísia, 1956) é filósofo, sociólogo e pesquisador em ciência da informação e da comunicação e estuda o impacto da Internet na sociedade, as humanidades digitais e o virtual. Vive em Paris e leciona no Departamento de Hipermídia da Universidade de Paris

[2] LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução: Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 2010.

Fonte: Aberje