terça-feira, 25 de março de 2014

Friboi e Roberto Carlos: na contramão em tempos de vigilância líquida

Viajando na semana de carnaval com minha noiva, dentro do automóvel, conversávamos sobre a polêmica e controversa propaganda da Friboi protagonizada por Roberto Carlos. Do nosso diálogo, interação e parceria (características que faltam à maioria das organizações), surgiu a ideia – o texto poderia ser assim: 
Tony Ramos: Roberto, você não é vegetariano? 
Roberto Carlos: Mas é Friboi, Bicho! Põe na brasa, mora!!! 



A intenção do marketing foi boa, mas o problema foi que a propaganda não convenceu por sua artificialidade e fraca capacidade de persuasão. Todo o trabalho de branding, que virou case de sucesso, foi inviabilizado por uma propaganda que gera contradição. 

Tanto tempo e dinheiro investidos em imagem, para desencadear num mar de críticas, em um comercial de segundos. Se a ideia era brincar com o fato de Roberto Carlos ser vegetariano, poderiam ter sido mais criativos no texto. Deveriam ter preparado melhor o cantor, que não tinha expressão. 

O comercial foi tão mal conduzido que não conseguiu passar a mensagem que queria. Se foi esse o objetivo, frustraram-se, pois abriu espaço para as mais diversas interpretações. Poderia se tornar uma brincadeira inteligente e despretensiosa – mesmo sendo vegetariano, o cantor "quebraria a regra" pela carne ser Friboi. Seria esta a mensagem-chave. 

Nos distanciemos (neste caso, em especifico) das discussões ideológicas e humanísticas. Não é sobre ser vegetariano ou não. Vivemos em uma sociedade que, por questões culturais e de hábitos, não vai deixar de ser consumidora de carne, seja por compaixão aos animais, ou por questões ambientais, como de outros produtos ditos prejudiciais à saúde. Não alcançamos ainda esse grau de evolução ou maturidade. 

Como diz Richard Dawkins¹: “uma das razões para o grande apelo exercido pela teoria da seleção de grupo talvez seja o fato de ela se afinar completamente com os IDEAIS MORAIS E POLÍTICOS partilhados pela maioria de nós. Como indivíduos ou organizações, não raro, nos comportamos de forma egoísta (identidade). Nos momentos idealistas reverenciamos e admiramos aqueles que colocam o bem-estar dos outros em primeiro lugar (imagem).”

Hipóteses:

Como uma pessoa (celebridade), que esbraveja ser vegetariana, compromete sua reputação com a projeção de uma imagem que é controversa a sua identidade? (pelo menos era assim que se apresentava a seu público). Pelo cachê? (mesmo sendo desnecessário no caso dele). 
Por que uma empresa que vinha se fortalecendo institucionalmente, e que se apoiou na imagem de Tony Ramos, que fazia uma bela projeção da marca (Tem que ser Friboi!), pôde se comprometer com um comercial tão controverso? 
Parafraseando o "rei": são tantas as interrogações. 
É fato! Devido ao comercial com o RC, a Friboi teve uma repercussão extremamente negativa nas mídias digitais e nas impressas.

Onde reside a origem desta crise?

Acredito que a grande dificuldade, tanto da área de marketing, quanto da de publicidade, foi não interagir e não se integrar à cultura, aos valores da corporação e aos da sociedade.
Na maioria das vezes, nem a alta cúpula organizacional (presidência, direção) está ciente do que acontece nessas áreas. Querem os resultados ao invés de se integrarem como uma família saudável em busca do bem comum, dos seus objetivos. No caso das corporações, o maior deles, o lucro. Vivem como casais acomodados ou em um infinito embate de personalidades. Não buscam o diálogo, a apuração, a investigação, o conhecimento histórico daquilo que os circunda. Não percebem que os resultados virão de uma verdadeira gestão do conhecimento ou do relacionamento com seu entorno.

A Boêmia e a PepsiCo, por exemplo, atentas aos fatos e às demandas da sociedade, foram excepcionalmente criativas. A primeira, percebendo as críticas sociais e as contradições de seus concorrentes, saiu na frente e quebrou o paradigma de ligar a cerveja à sexualidade e à desvalorização da mulher, que era reflexo de um padrão, mostrada como um ser inanimado, como produto de consumo, tal como a bebida.

Cenário 

Alguns idosos proprietários da cervejaria e o jovem publicitário, responsável pelo conteúdo do comercial.

Roteiro

Em tom de crítica, chega o rapaz e diz: “o próximo passo é colocarmos umas mulheres “gostosas” no nosso comercial. A propaganda das outras cervejas está mais jovem do que a nossa.”
Em tom de reprovação, diz o senhor: “Ótimo! Quem gosta de propaganda assiste a deles, quem gosta de cerveja bebe a nossa.”


Aí sim, está um verdadeiro brainstorm. Conseguiram projetar a marca de forma positiva, fortalecendo a sua identidade, com base no conhecimento da inversão de valores, seguida teimosamente por seus concorrentes.
Já, a PepsiCo, genuinamente, assumiu o seu 2º lugar com o slogan: "Pode ser." Pode ser o quê? Pode ser melhor que a do concorrente. Pode ser Pepsi. Experimente. Dê-se a oportunidade. Enfim, agregaram valor à marca, posicionaram-se e criaram uma identidade forte, contundente.

Inovar, ousar, quebrar paradigmas é o que se espera de empresas que querem causar impacto positivo em seus públicos de interesse, mas isso tudo deve ser feito com o cuidado necessário e com o devido respeito às demandas de seus stakeholders, ou o tiro pode sair pela culatra, como no caso da Friboi. 
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¹ Richard Dawkins nasceu em Nairobi, Quênia, em 1941. Lecionou zoologia na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e na Universidade de Oxford, Inglaterra. Em 2005 foi eleito o mais influente intelectual britânico pela revista Prospect e, nesse mesmo ano, assumiu a cátedra Charles Simonyi de Compreensão Pública da Ciência, que ocupou até 2008.


Friboi e Roberto Carlos: crise de identidade de ambas as partes


A projeção da marca, que ia muito bem com o comercial protagonizado por Tony Ramos ("Tem que ser Friboi"), pode ser inviabilizada por um erro crasso.


A crise configurou-se, na minha opinião, pela quebra de valores, consequência da falta de integração e, principalmente, interação. No caso da empresa, a sua credibilidade foi abalada, pois ficou evidente a projeção mercadológica em detrimento da institucional. 

Misturaram "água e óleo", deturparam a imagem, abalaram a reputação e por consequência mostraram sua verdadeira identidade. 

Já, o cantor Roberto Carlos, que, publicamente, se diz vegetariano, parece para mim, que foi contra seus princípios e valores em troca do cachê não divulgado. Ele contradisse seu posicionamento, sendo paradoxal aos seus valores. Deveria ter preservado sua imagem. No entanto, passou a opinião pública que não é questão de identidade. Teve, assim, sua reputação prejudicada.

Em ambos os casos, a ganância prevaleceu em detrimento da ética. Na era digital por mais "cruéis" que pareçam os novos formadores de opinião ( hoje toda sociedade tem essa possibilidade), organizações só evitarão crises como essa se todas os setores, que abrangem seus ambientes, estiverem conectados à cultura, aos valores, a missão e a visão organizacionais.