segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Venezuela: quem é o dono, ou quais são os donos da crise?






Como jornalista e cidadão nunca tive a intenção de assumir nenhum posicionamento ideológico e partidário, mas, sim, o conhecimento histórico e humanístico, comobjetivos dialógicos. Procuro sempre através da apuração e da investigação, desmistificar, ou seja, aproximar-me da verdadeira realidade dos fatos. Penso que este debate vai além da "bipolaridade" entre esquerda e direita, que, em minha opinião, limita-se aos "ismos" (não seria melhor se enxergássemos o mundo com alteridade, buscando gerar valor ou compensações a todos aqueles inseridos no organismo social? ), aos discursos, construções de mensagens e projeções de imagens veiculadas pela grande mídia, ao invés de buscarmos meios mais interativos, sejam eles impressos ou digitais. Acredito que tendo acesso, as mais variadas versões sobre os fatos, maior a possibilidade de discernimento e senso crítico. A Guerra Fria acabou e o regime que se consolidou foi o capitalismo. A sociedade sofre das consequências de um sistema, em que os direitos civis são determinados pelo poder de compra, pelo ser aceito como consumidor. Sentido de pertencimento que não é ditado pelos serviços públicos e pela intervenção do Estado, mas, sim, pelo mercado. Não pretendo dizer com isso que o capitalismo é um regime falido, mas que precisa ser reformulado, regulamentado. 




A grande mídia faz uma economia: abole a complexidade dos fatos, confere-lhes a simplicidade das essências, suprime toda e qualquer dialética, qualquer elevação para lá do visível imediato, organiza um mundo sem contradições, sem profundeza, um mundo plano que se ostenta em sua evidência, e cria uma afortunada clareza.

Eis outra versão dos fatos, essa não veiculada na grande mídia, muito mais complexa e que exige tempo do leitor.

"O tempo é curto e o conhecimento é longo."

Boa leitura, para aquele que tiver tempo. Ao final um documentário polêmico.

Combate à especulação e ao lucro infinito


Os empresários e comerciantes venezuelanos devem cumprir, a partir de hoje (10), a Lei Orgânica de Preços Justos, que estabelece lucro máximo até 30%. Termina nesta segunda o prazo dado pelo governo para adaptação à medida. Criada para combater a especulação financeira, a lei prevê multa, expropriação de empresas e até prisão para os comerciantes que desobedecerem a norma.
Decretada pelo presidente Nicolás Maduro, a lei entrou em vigor no dia 23 de janeiro. Segundo Maduro, com a norma o governo terá "mais uma ferramenta para combater a especulação" e o que chama de "guerra econômica". O governo alega que a medida é necessária porque há produtos vendidos no país com preço até 2.000% acima do valor real.
Leia mais:

Brasil e Venezuela: a guerra da informação

por Rodrigo Vianna (@rvianna)


São tristes, preocupantes, mas não chegam a surpreender as cenas de violência e confronto aberto na Venezuela. Nos últimos 6 anos, estive lá cinco vezes – sempre na função de jornalista. Há um clima permanente de conflagração.
As TVs privadas, com amplo apoio das classes médias e altas, tentaram dar um golpe em 2002 contra Hugo Chavez.

Chavez resistiu ao golpe com apoio dos pobres de Caracas, que desceram os morros para apoiá-lo e de setores legalistas do Exército. Desde então, o chavismo se organizou mais, criou uma rede de TVs públicas para se contrapor ao “terror midiático” (como dizem os chavistas), e se organizou no PSUV (ainda que o Partido Comunista, também chavista, tenha preferido manter sua autonomia organizacional).

É preciso lembrar que TVs e revistas brasileiras (Globo e Veja) comemoraram o golpe contra Chavez em 2002 – e se deram mal porque ele voltou ao poder 2 dias depois.

Nas ruas de Caracas, ano a ano, só senti o clima piorar. Confronto permanente. Acompanhei na região de Altamira, em Caracas, o ódio da classe média pelos chavistas. Com a câmera ligada, eles não se atrevem a tanto, mas em conversas informais surgiam sempre termos racistas para se referir a Chavez – que tinha feições indígenas, mestiças, num país desde sempre dominado por uma elite (branca) que controlava o petróleo.

O chavismo tinha e tem muitos problemas: dependia excessivamente da figura do “líder”, a gestão do Estado é defeituosa, há problemas concretos (coleta de lixo, segurança etc). Mas mesmo assim o chavismo significou tirar o petróleo das maõs da elite que quebrou o país nos anos 80. Além disso, enfrenta o boicote econômico permanente de uma burguesia que havia se apropriado da PDVSA (a gigante do Petróleo venezuelana).

O chavismo sobreviveu à morte de Chavez. O chavismo, está claro, não é uma “loucura populista” ou uma “invenção castrista” – como querem fazer crer certos comentaristas na imprensa brasileira. O chavismo é o resultado de contradições e lutas concretas do povo venezuelano – lutas que agora seguem sob o comando de Nicolas Maduro, que evidentemente não tem o mesmo carisma do líder original.

Vejo muita gente dizer que o “populismo” chavista quebrou a Venezuela. Esquecem-se que a economia venezuelana cambaleava muito antes de Chavez. Esquecem-se também que o tenente-coronel Hugo Chavez Frias não inventou a multidão nas ruas. A multidão é que inventou Chavez. A multidão precedeu Chavez. Em 89, o governo neoliberal de Andres Perez ameaçou subir as tarifas públicas – seguindo receituário do FMI. O povo foi pra rua, sem nenhuma liderança, no Caracazo (uma rebelião impressionante que tomou as ruas da capital).

O chavismo foi a resposta popular à barbárie liberal, foi uma tentativa de dar forma a essa insatisfação diante do receituário que vinha do Norte. Os responsáveis pela barbárie liberal tentam agora retomar o poder – com apoio dos velhos sócios do Norte. E nada disso surpreende…

O que assusta é o nível dos comentários sobre a Venezuela nos portais de notícia brasileiros.

Li uma postagem do “Opera Mundi” . Quem tiver estômago pode conferir as pérolas dos leitores… Resumo abaixo algumas delas:

- “A VENEZUELA SERÁ PALCO DA PRIMEIRA GUERRA CIVIL PLANEJADA PARA A TOMADA DO PODER COMUNISTA NA AMÉRICA LATINA.”

- “O chavismo conseguiu levar a Venezuela à falência. Um país sem papel higiênico e muita lambança comunista para limpar.”

- “Aquele pais virou um verdadeiro lixo, podia ser uma potencia de tanto petroleo que tem, mas o socialismo acabou com tudo. O que sobrou foi uma latrina gigante.”

- “Vai morar na Venezuela então , por mim os venezuelanos tem que matar o maduro.”

- “É fácil quando a eleição é manipulada. Maduro ganhou pq roubou a eleição como foi comprovado.”

Envenenados pela “Veja”, “Globo” e seus colunistas amestrados, esses leitores são incapazes de pensar por conta própria. Repetem chavões "anticomunistas", e seriam capazes de implorar pela invasão da Venezuela pelos EUA.

Desconhecem a história da Venezuela pré-Chavez… Não sabem o que é a luta pela integração da América Latina – diariamente combatida pelos Estados Unidos.

Se Maduro sofrer um golpe, se os marines desembarcarem em Caracas, muitos brasileiros vão aplaudir e comemorar. Não são ricos, não são da “elite”. São pobres. Miseráveis, na verdade. Indigentes em formação. Vítimas da maior máquina de desinformação montada no Brasil: o consórcio midiático (Globo/Veja/Folha e sócios minoritários) que Dilma pretende enfrentar na base do “controle remoto”.


A América Latina pode virar, nos próximos anos, mais um laboratório das técnicas de ocupação imperialista adotadas no século XXI. Terror midiático, ataques generalizados à “política”, acompanhados de ações concretas de boicote e medo – sempre que isso for necessário.


Não é à toa que movimentos “anarquistas” e “contra o poder” tenham se espalhado justamente pelos países que de alguma forma se opõem aos interesses dos Estados Unidos.



O imperialismo não explica, claro, todos os problemas de Venezuela, Brasil, Argentina. Temos nossas mazelas, nossa história de desigualdade e iniquidade. Mas o imperialismo explica sim as seguidas tentativas de bloquear o desenvolvimento independente de nossos países.



A morte de Vargas no Brasil em 1954, a derrubada de Jacobo Arbenz na Guatemala no mesmo ano, e depois a sequência de golpes no Brasil, Uruguai, Argentina e Chile (anos 60 e 70) são exemplos desse bloqueio permanente. Não é “teoria conspiratória”. É a História, comprovada pelos documentos que mostram envolvimento direto da CIA e da Casa Branca nos golpes.



A Venezuela não precisou de golpes. Porque tinha uma elite absolutamente domesticada. Com Chavez, essa história mudou. A vitória de Chavez foi o começo da “virada” na América do Sul.



Os Estados Unidos e seus sócios locais empreendem agora um violento contra-ataque. Na Venezuela, trava-se nas ruas um combate tão importante quanto o que se vai travar nas urnas brasileiras em outubro. Duas batalhas da mesma guerra. E pelo que vemos e lemos por aí, o terror midiático fez seu trabalho de forma eficiente: há milhares de latino-americanos dispostos a trabalhar a favor da “reocupação”, da “recolonização” de nossos países.



Por isso, essa é uma guerra que se trava nas ruas, nas urnas e também nos meio de Comunicação. Uma guerra pelo poder nunca deixa de ser também uma guerra pelos símbolos, uma guerra pela narrativa e pela informação.




A Revolução não será televisionada", documentário na íntegra, quando a oligarquia midiática venezuelana e os EUA tentaram dar um golpe de Estado contra um governo democraticamente eleito.



Como cidadãos, pessoas físicas e jurídicas permitiremos que o meme de fazer justiça com as próprias mãos se dissemine no organismo social?

Foto

Nos dias de hoje, em que empresas assumem discursos e projeções de imagem voltados para a Sustentabilidade (muitas delas com fins mercadológicos e não institucionais), não poderiam rever seus investimentos como anunciantes de uma emissora de televisão que dá espaço e tempo a um discurso discriminatório e fascista?


Como formadora de opinião, a jornalista Rachel Sherazade influencia grande parte da opinião pública em relação aos casos de violência urbana. Seu discurso veiculado na grande mídia, traz consigo a capacidade de incitar novos casos de força coletiva, como podemos confirmar pelas recentes notícias:

Suspeito é amarrado a poste após assalto em lanchonete de SC


Calouro é amarrado a poste em trote da Faculdade Casper Líbero


A opinião de Sherazade potencializou ainda mais a inversão de valores de uma sociedade preconceituosa, desprovida de educação política, conhecimento histórico senso crítico e dialógico. 

Muitos se respaldam na liberdade de expressão ou de imprensa para justificar suas irresponsabilidades. E a deontologia jornalística? A falta de ética não pode ser justificada ou apoiada na liberdade de expressão.

Como li outro dia: "O usofruto dos direitos civis requer o sentido de pertencimento, o qual não é dado pelos serviços públicos e, por extensão pelo Estado, mas sim pelo poder de compra, pelo ser aceito no mercado como consumidor." 



Construção de signos: os replicadores egoístas



Richard Dawkins, zoólogo, em 2005, eleito o mais influente intelectual britânico pela revista Prospect, foi quem criou o conceito do meme, que segundo ele é um código cultural que prevalece de acordo com a sua força de transmissão e assimilação dentro do organismo social. Usado como metáfora, Dawkins, analogamente, observa o processo de evolução cultural, assemelhando-o à teoria da evolução de Darwin: um meme seria como um gene, ou seja, sobrevive aquele que melhor se adapta ao meio. Assim, como o gene, ele mantém sua capacidade ou força de persuasão, até ser eliminado ou superado por um novo meme.
Sendo assim, podemos inferir que os memes verticalizados, sejam os das organizações públicas, privadas ou da grande mídia (que contém os códigos culturais e que até há pouco tempo prevalecia e conduzia soberano a conduta social) defrontam-se, hoje, com novos memes, que se formam nas redes sociais dentro do ambiente das mídias digitais, num embate constante com o automatismo da REPLICAÇÃO EGOÍSTA ou verticalizada.

Ele descreve os seres humanos, como veículos e replicadores de genes (porção do DNA capaz de produzir um efeito no organismo que seja hereditário e possa ser alvo da seleção natural) e de memes que se replicam e sobrevivem de forma semelhante aos genes, através de um processo de seleção e competitividade. Segundo ele, somos veículos, mas não necessariamente serviçais:

"Somos construídos como máquinas de genes e educados como máquinas de memes, mas temos o direito de nos revoltar e discordar contra os seus criadores. Somos os únicos na Terra que temos o poder de nos rebelar contra a tirania dos replicadores egoístas".