sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Sem noções de etiqueta, executivos cometem grandes gafes corporativas

                      

Para ilustrar e contextualizar a importância da etiqueta corporativa, abro a minha coluna deste mês com uma história contada, nos bastidores, por um dos participantes de um treinamento corporativo.
         
A pedido do seu presidente, esse participante, na época, diretor de uma grande rede fornecedora de produtos alimentícios, foi encarregado de representar, receber e acompanhar o CEO de uma empresa estrangeira árabe que veio ao Brasil para fechar um negócio promissor.

Assim, o “homem cordial”, se portou como um perfeito anfitrião, levando o executivo para conhecer nossos principais pontos turísticos, serviu de intérprete nas reuniões, enfim, ajudou no que foi preciso para que o visitante se sentisse acolhido em nosso país e as negociações transcorressem de forma positiva.

Tudo deu certo. Negócio alinhado e praticamente fechado, e no último dia de sua estada no país o presidente lhe pediu o último favor: que reservasse lugar num bom restaurante para que a despedida do estrangeiro ficasse marcada em sua memória. Assim foi feito. O brasileiro efetuou a reserva num excelente restaurante e para lá se dirigiu pontualmente em companhia de sua esposa (uma grande gafe, além de não saber o que aquilo representava para o mundo árabe), para uma noite agradável e informal.

Foi então que os problemas começaram: o visitante simplesmente ignorou, durante todo o decorrer do jantar, a presença da esposa do brasileiro. Era como se ela não existisse. O clima pesou. Obviamente o casal sentiu-se desconfortável, mas nada poderia ser feito àquela altura dos acontecimentos. O jantar se desenrolou neste clima de constrangimento e exclusão até que, no final (tudo sempre pode piorar!), a grande surpresa: ao se despedirem, o árabe havia entendido que a mulher era um “presente” para ele, ou seja, um agrado para que com ela passasse a noite:

- “Como ousa sentar uma mulher à minha mesa, se ela não é um presente?” Disse ele, enfurecido.

Não preciso lhes dizer que, a esta altura, o negócio que estava alinhado entre as empresas foi por água abaixo!

           Não pretendo com esse exemplo, entrar em debates morais, ou questionar o que é certo ou errado nas diversas culturas espalhadas pelo mundo. Aqui se questiona o conhecimento e o comportamento que o executivo brasileiro deveria ter frente à cultura do CEO estrangeiro.   

Normas de Etiqueta, tradicionalmente e de forma genérica, estão relacionadas à educação formal, tendências da moda e comportamento. No ambiente corporativo elas podem ser utilizadas como poderosas ferramentas de comunicação pelas organizações com seus públicos de interesse, sejam elas verbais ou não verbais.

A chamada etiqueta corporativa se mostra como forte diferencial estratégico. Mais do que as regras básicas de etiqueta, há premissas fundamentais que abrangem o mundo organizacional. Nesse ambiente, ela deve abranger, principalmente, aspectos como adequação de comportamento perante aos seus stakeholders.
Para uma comunicação eficaz e adequada a certos públicos de interesse é imprescindível que os interlocutores conheçam a cultura, a linguagem, a forma de se comportar e até a forma de se vestir com quem vão interagir. Nestes momentos, independentemente das diferenças culturais, é essencial que executivos ou lideres organizacionais se portem coloquialmente, utilizando-se de termos que se adequem aos valores e culturas locais, abstendo-se de termos técnicos ou vocábulos que possam constranger ou inibir uma comunicação mais eficaz para a resolução de problemas e entendimentos que levem a resultados positivos e compensatórios às partes envolvidas no processo.
Não é necessário, por exemplo, que um executivo que queira ter um relacionamento direto com as comunidades em torno da empresa se coloque sobre um púlpito de terno e gravata, mas que use vestimentas menos formais e mais adequadas ao meio com o qual interage.  
Interagir com seus públicos de interesse não quer dizer que eles têm que caber na lógica organizacional, ao contrário, a lógica e a falta de postura organizacional é que geram becos sem saída.
É muito difícil praticarmos a alteridade, se comportar adequadamente de acordo com a cultura e os valores de seus públicos de interesse. Mas a situação é clara: ou se adéquam, ou gerarão mágoas. Pode ser mágoa oculta, polida por conveniência, diplomacia ou impotência, de acordo com interesses específicos dos públicos com os quais a organização se relaciona, mas ela se manifestará no momento oportuno.
A base de toda realidade não é só a que se enxerga dentro da organização.  Estar adaptada aos seus “valores”, cultura, missão e visão parece sempre mais seguro. Mas é da interação com seus stakeholders que vem o alicerce e o embasamento estratégico da organização.
            Organizações têm valores e culturas específicos. São os ditames “incontestáveis” que têm que honrar. Mas há também a adaptação ao meio que impõem a cada uma delas o aporte, a sua contribuição ao presente, na vivência delas em seu tempo.
Nos dias de hoje, os valores devem ser determinados pela relação, pelo movimento. Será apenas na circulação pelo ambiente e pelo intercambio com seus públicos de interesse que a organização modificará seus valores e a sua cultura e, consequentemente, agregará valor institucional e mercadológico.   
A origem de todos os conflitos está na incapacidade das organizações se expressarem e entenderem a necessidade de seus públicos adequadamente. 
Nas organizações, tolerância se resume ao que se fala sobre elas, ao invés de entender aquilo que os seus públicos são ou representam. No cerne da identidade organizacional se sobressai a intolerância.
A busca da tolerância deve estar focada numa alternativa compensatória entre as partes, ou mesmo na sua versão mais radical, a aceitação, que só será possível quando a organização enxergar seus públicos de interesse, num território diferente, de culturas diferentes, ao invés de encarar as relações e interações como um confronto ou submissão aos seus “valores” e cultura ególatras.  

       Para ser aceito em qualquer grupo é preciso conhecer seu código comportamental, agindo-se de acordo com os padrões convencionados de cada grupo. De forma inversa, deixar de conhecer estes códigos de conduta ou desrespeitá-los é a forma mais eficaz para o desentendimento ou fracasso da organização.  Portanto, a construção da identidade e, por consequência, a consolidação de uma imagem positiva se faz através do entendimento do código e necessidade de cada grupo com o qual se relaciona.

Como permitir aos públicos de interesse o direito de serem eles mesmos, portanto tolerar as suas diferenças? Organizações podem se mostrar “civilizadas” e fingirem que não há incongruências no fato de seus públicos pensarem diferente. No entanto, é comum uma organização dar uma justificativa por conta de seus públicos não se adequarem às suas vontades, diferenças culturais, “valores” que formam sua identidade.

Com tudo que foi exposto termino com a seguinte afirmação: para realmente ouvir o outro, a organização deve estar num âmbito distinto da sua cultura, ou seja, em condições que a permita interagir a partir de um ponto que não somente o do centro de sua identidade.


Sugestão de leitura:

Marques, Ligia - Os Sete Pecados do Mundo Corporativo . Petrópolis, RJ: Vozes,2011


Marques, Ligia e Aguiar, Hegel – Etiqueta 3.0 Você On line e off line, São Paulo: Editora Generale, 2011

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