quinta-feira, 9 de abril de 2020

JORNALISMO NÃO É DRAMATURGIA

Segundo o Correio Braziliense, da terça-feira, 8, a maioria das mortes, por conta do coronavírus, nos Estados Unidos é de negros, que vivem nas regiões periféricas do país. Acredito que no Brasil não vai ser diferente. Infelizmente, no final, quem mais vai sofrer, com as consequências dessa pandemia, são os desvalidos.

Alguns me julgam, dizendo que, os meus artigos, além de críticos, têm tom triste e negativista. Com as atuais crises política e sanitária do país, impossível se apropriar de um tom jocoso.

Em meus textos emito opinião, sim, mas, sempre, com a responsabilidade de fazer isso com base em informações verídicas.

Outro dia critiquei uma “reportagem” do Fantástico, pois essa, na minha opinião, não cumpriu com seu papel social e democrático. O jornalismo deve oferecer uma visão plural à opinião pública. O que tem de plural reportar a sociedade, que em sua maioria carece de um sistema de saúde de qualidade, a história “emocionante” de um engenheiro aeronáutico curado da COVID-19?

A matéria mostrou o paciente, atravessando o corredor de um hospital privado, cercado por enfermeiros que o ovacionavam. Qual a relevância para opinião pública ver alguém da elite, após superar a doença, indo para o conforto de seu palácio, onde sua “sofrida” família o esperava?
Provavelmente, pela catarse de assistir a história de superação de um homem rico, tratado em um dos melhores hospitais do país.

Por que não mostrar alguém acometido pelo coronavírus, que venceu a doença, mesmo dependente do combalido sistema público de saúde? Esse, sim, seria o verdadeiro herói.

Dos 127 recuperados do coronavírus no Brasil, segundo o Mapa Coronavírus Resource Center da Universidade Johns Hopkins nos EUA, a reportagem escolheu uma vítima tratada e curada num hospital de ponta, ao invés daqueles que realmente são os maiores prejudicados, não só pela maior vulnerabilidade ao vírus, como também pela infraestrutura precária do Sistema Único de Saúde.
Como formadores de opinião, nós jornalistas, temos, que, na medida do possível, tentar reportar a verdadeira realidade dos fatos, por mais trágica que ela possa ser. Essa é a nossa responsabilidade.

Dentro da narrativa, o que deveria ser respondido pelos formadores de opinião, já que se trata de interesse público?

1º Os hospitais de base têm a mesma infra-estrutura que o hospital que tratou este paciente?

2º Os números de profissionais de saúde são equivalentes aos que atendem os mais afortunados pela rede privada de saúde?

Acredito que essa narrativa não segue os preceitos do jornalismo, pois não é seu objetivo romantizar e dramatizar a vida de um homem da elite, acometido por esse grande mal de impacto mundial. Muito menos, usar os profissionais de saúde que o atenderam, como protagonistas de um filme dramático de superação do pobre rico, que devido a eles teve sua vida salva. Devemos deixar essas funções para o entretenimento. O que precisa ficar claro para nós profissionais, é que o objetivo do jornalismo não é gerar catarse, e sim informação.


Nenhum comentário:

Postar um comentário