sexta-feira, 27 de março de 2020

CORONAVÍRUS REVERBERA AS NOSSAS MAIORES MISÉRIAS

Conforme a manchete da seguinte matéria: “No Brasil informal com coronavírus, domésticas dependem de ALTRUÍSMO de patrões para evitar contágio”, vemos que, por muitas vezes, sem perceber, nos equivocamos ao utilizamos palavras ou significados, como consequência de uma transmissão cultural, fundamentada pelo preconceito. 
ALTRUÍSMO? 
A palavra mais adequada a esse contexto seria RES-PON-SA-BI-LI-DA-DE, já que os empregadores não estão fazendo um gesto filantrópico ou abnegado, e sim, as suas obrigações como empregadores.
A crise atual, causada pela pandemia do novo coronavírus, pelo menos no Brasil, abre as portas para a tomada de consciência, frente a relação empregador, empregado. Infelizmente, ao que parece, a fatura dos prejuízos, por conta do preconceito e transmissão cultural ególatra, mais uma vez, vai ser paga pelos trabalhadores, como no caso das empregadas domésticas, em sua maioria, negras que trabalham nas casas da classe média alta e da elite do país. Será que desta vez este quadro mudará, com os empregadores concedendo os direitos dos seus funcionários durante o período de quarentena? 
Não é o que demonstra a reportagem do El País, desta terça, 17, que reporta a situação das pessoas que dependem do trabalho informal, e representam quase a metade da força produtiva do país. Entre os que fazem parte desse grande número de trabalhadores estão as empregadas domésticas, que precisam escolher entre trabalhar e se expor ao vírus, sem seguir as recomendações de quarentena, para não ficarem sem dinheiro no fim do mês. A maioria delas vivem em comunidades com becos fechados, sem saneamento básico ou com abastecimento irregular de água, lado a lado com centenas de vizinhos na mesma situação de exclusão social. Com isso fica impossível manter distanciamento e seguir as orientações de higiene. Essa classe é composta de mais de sete milhões de mulheres, sendo que 31,7% do total é formada por diaristas que fazem bico. 
Conforme depoimentos de algumas delas, os empregadores concordam em dispensar, porém dizem que não tem como pagar o período em que suas funcionárias estiverem em quarentena. 

Até esta segunda-feira várias continuavam indo trabalhar, apesar de pegar ônibus ou trens cheios, com patrões alheios ao fato de que elas podem ser fonte de contágio ou serem contagiadas — a maioria conta com o precário Sistema Único de Saúde, ao contrário de seus empregadores.

Na semana passada, o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, noticiou a solução a que chegaram um empresário carioca e sua esposa, diagnosticados com o coronavírus. Contrariando todas as recomendações dos especialistas, não dispensaram a empregada doméstica, que permaneceu no apartamento trabalhando de avental, luvas e máscara.
Ilustração do artista Rodrigo Yokota (@rodrigo_yokota) retrata este fato:
Empresário carioca de 73 anos vindo da Itália, onde contraiu o coronavírus, chega ao Brasil. Foi o primeiro caso de contágio no país. 

Em contato com ele, a esposa de 68 anos também foi infectada. Como no desenho o casal obriga a empregada doméstica a trabalhar mesmo indo contra todas as medidas preventivas. Infelizmente, esse vírus mortal, que chegou ao Brasil, veio mostrar as piores características de nós seres humanos: o egoísmo e a inexistência de qualquer comportamento de empatia, alteridade e altruísmo. Tudo o que não devemos fazer, se realmente quisermos neutralizar a grave crise de pandemia. Contudo, e como sempre, os maiores prejudicados, e o maior número de mortos serão contados entre os trabalhadores explorados pela classe média alta e a elite deste país, com o racismo e a misogenia que sempre os acompanham. Estamos longe de algum dia transcender esse traço cultural retrógrado e inaceitável, desde que esse retrocesso, pelo menos no caso desta pandemia, seja resolvido por imposição do Estado.




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