sexta-feira, 27 de março de 2020

O PRESIDENTE INFECTADO

Renato Manzano
Parte preponderante das responsabilidades de um presidente da República diz respeito à compreensão e domínio dos aspectos simbólicos do cargo que ocupa. A figura do presidente, sua imagem e reputação, suas palavras e atos, tanto quanto suas decisões, orienta comportamentos e chega mesmo a ditar costumes, sobretudo quando se considera a nação brasileira, formada por uma base social humilde e pouco instruída. Aqui, não me deterei a comentar aspectos políticos ligados à figura do Exmo. presidente da República, Sr. Jair Bolsonaro, e sim, especificamente, sobre sua atitude diante das manifestações ocorridas ontem, 15 de Março de 2020.Eu cheguei a suspirar aliviado e quase escrevi uma nota de apoio, quando o sr. Jair Bolsonaro, na última quinta-feira, usando máscara hospitalar, pediu a suspensão das manifestações marcadas para ontem e declarou publicamente (abre aspas): "é preciso evitar que haja uma explosão de pessoas infectadas (pelo coronavírus) no Brasil (...), pois os hospitais não dariam conta de atender todo mundo". É o mínimo que se esperaria de um presidente da República: bom senso, coerência e preocupação social elevada com a população de seu país.
Mas ficou só no discurso! Na prática, os articuladores políticos ligados ao presidente - e diga-se: com sua total concordância, continuaram a incitar seus apoiadores a irem para as ruas e fizeram de tudo para levar o maior número de pessoas às manifestações de ontem. Nada contra manifestações, pelo contrário: elas fazem parte importante do rito democrático, da participação popular na vida política do país. Mas, diante da grave crise de saúde que assola o mundo, devido ao COVID-19, a qual inicia sua escalada no Brasil, mais do que absurdo, é estarrecedor o que ocorreu ontem! Algo merecedor, isto sim, dos nossos mais profundos protestos de indignação e repúdio!
A comitiva presidencial brasileira, recém chegada dos EUA, já possui 11 membros comprovadamente infectados. O presidente da República fez o teste, que felizmente deu negativo, mas recebeu dos médicos duas recomendações: a primeira, que refaça o teste outras duas vezes - pois existe o risco de incubação e, em virtude disso, a segunda recomendação: evitar sob qualquer circunstância o contato direto com outras pessoas pois ele próprio pode ser um agente de transmissão. O que vimos ontem? O presidente abraçando e sendo abraçado, sendo beijado, apertando mãos, falando próximo de diversas pessoas... Não se pode lamentar que muitas pessoas tenham carinho pela figura de um presidente. Cabe ao presidente a responsabilidade de responder a esse afeto com equilíbrio e lucidez. 
O que pensar quando um presidente da República relativiza e denigre, com sua atitudes, os médicos da presidência, as autoridades sanitárias do país e o próprio Ministério da Saúde? O que pensar quando um presidente contraria gravemente, de forma irresponsável e contraditória, suas próprias recomendações públicas como chefe de Estado, feitas dias antes à toda a população? O que pensar quando se verifica que toda a suposta "preocupação com a saúde pública" não passou de uma farsa burlesca e que, por baixo nos panos, o que se pretendia sempre foi levar o maior número de pessoas às ruas? O que pensar da responsabilidade do representante máximo do nosso país, quando sua vaidade pessoal é colocada acima do bem maior da população a qual ele jurou honrar e defender?
Só podemos concluir que trata-se de um homem infectado. Profundamente infectado! Sim, infectado pelo desrespeito a seus concidadãos, infectado pela desonra ao cargo, infectado pela mentira, infectado por uma vaidade cega e infectado pelo terrível vírus do poder acima de tudo e de todos.
A lamentável demonstração de irresponsabilidade explícita do presidente Jair Bolsonaro, ontem mesmo, já rodava o mundo. Diversos periódicos retratam, hoje, a sua falta de grandeza e irresponsabilidade. Colegas meus de outros países, estarrecidos me escrevem pelo WhatsApp: "Seu presidente é louco?" - um deles me pergunta. Eles não conseguem compreender.
O nosso presidente debochou não apenas da saúde e da honra dos brasileiros. Ele debochou, fez pouco caso, deu de ombros, para o que estão sofrendo 100 mil infectados em 76 países. Ele zombou de um problema de saúde que está impactando a economia global e que pode gerar uma onda de desemprego sem precedentes. Ele zombou das pessoas que cumprimentou, ontem. Ele ridicularizou o Brasil diante do mundo! 
O sr. Jair Bolsonaro fez pouco caso da Vida. E eu sinto ter de escrever isso sobre o presidente da República do meu país, mas um homem assim, definitivamente, não está à altura do cargo que ocupa. Porque o sr. Jair Bolsonaro provou, diante de todo o mundo, que é um homem infectado pelo pior vírus que pode afligir um líder político: o nefasto sentimento de poder absoluto.😞!
  


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